O estado
de degradação moral, de corrompimento institucional e de dissolução
social do Brasil, com destruição de ativos estratégicos em escala nunca
dantes vista, é consequência da ruptura do consenso político construído
após a ditadura militar e consolidado com a Constituição de 1988.
A ruptura
se deu num processo iniciado com o chamado caso do “mensalão” e se
completou com a destituição da Presidenta Dilma Rousseff. Para rasgar o
voto de 54 milhões de eleitores, recorreu-se fraudulentamente ao
instituto constitucional do impedimento. Armaram-se os golpistas com uma
maioria de ocasião no parlamento, cevada com recursos públicos
desviados por Eduardo Cunha e sua organização de trombadinhas espalhados
por partidos sem conteúdo programático nem militância espontânea. O
impedimento foi dinamizado pelos perdedores das eleições de 2014 e só
logrou ser bem-sucedido graças à omissão imprópria do Ministério Público
e do Judiciário.
Eis-nos
agora sentados, desorientados, sobre os escombros da nossa recente e
promissora democracia inclusiva. Não foi perfeita, pois nada neste mundo
o é. Equilibrou-se sobre um pacto entre forças progressistas e os
velhos agentes do atraso, com suas tradicionais práticas
patrimonialistas. Mas, no sistema político vigente, foi a única receita
institucional para garantir governabilidade a quem quisesse levar
adiante transformações de cunho ético, social e geoestratégico. Mudanças
na cultura política precisam de tempo e decorrem de pressões sociais
resultantes das adversidades dessa cultura.
Um dos
problemas mais sérios da nossa jovem democracia foi, porém, o crescente
corporativismo de carreiras da elite do funcionalismo, expressão da
mesma natureza patrimonialista de nossas práticas políticas. As
carreiras melhor remuneradas atraíram para seus quadros os velhos
sujeitos do privilégio. Transformaram instituições em instrumentos de
sua própria valorização, para alavancagem de seus ganhos. A fronteira
entre o institucional e o corporativo desapareceu.
O Estado
não foi apropriado apenas por políticos que se serviram de recursos
públicos para garantir sua perpetuação no poder, mas também por agentes
públicos que usaram de suas graves atribuições para colocar o governo
sob pressão e assim lograr a consolidação de sua posição de poder e de
privilégio na máquina administrativa. Não há diferença nenhuma entre a
“corrupção” de uns e a de outros. O resultado é um Estado fraco,
fragmentado entre diversos polos políticos, em permanente conflito,
presa fácil de forças externas interessadas nos ativos de nosso país.
Com a
administração pública sob crescente cerco de suas elites e a classe
política extorquindo prebendas e cargos em troca de apoio, o único ator
capaz de garantir um mínimo de reequilíbrio seria o Supremo Tribunal
Federal.
Ocorre que
há algum tempo essa corte perdeu sua capacidade de ação
contramajoritária, preferindo, nos casos de elevado impacto sobre o
sistema politico, seguir a “opinião pública”, mostrando-se mais
preocupada com o eventual desgaste de seus membros do que com a
catástrofe político-institucional que se abateu sobre o País.
Campanha
midiática – A dita “opinião pública” não representa nada a não ser os
formadores de opinião, leia-se: a mídia comercial. Não tem mandato para
falar em nome da sociedade e, pelo contrário, vive da manipulação
remunerada. Notícia, já se disse alhures, é que nem jabuti em árvore:
como não sobe sozinho, só chega à altura se alguém o colocar lá. Quem
não conhece a estória por trás da notícia está sendo sistematicamente
engambelado. Todas têm estória: por que foram colocadas lá, na primeira
ou na segunda ou na terceira página? Por que lhe deram esse título e não
aquele? Quem solicitou a notícia? E por aí vai… Corretamente formuladas
e respondidas, tais perguntas descortinam um cenário de conspirações e
engodos.
A chamada
campanha de “combate à corrupção” é em boa parte uma campanha midiática
com interesses específicos. Para começar, os órgãos da persecução penal
dela não carecem no cumprimento da sua missão. Quanto mais discretamente
trabalham, menos resistência encontram. A resistência se dá sobretudo
pela exposição, pela devassa pública, que destrói reputações antes mesmo
da culpa formada.
Quando os
imputados são atores políticos, a reputação é seu maior ativo e é por
demais explicável que reajam furiosamente a seu tangenciamento
arbitrário e usem todo o seu poder para obstar o estrépito em torno de
si.
Se a
campanha midiática não serve à atuação, a que serve? Serve aos
desideratos corporativos. Serve ao fortalecimento das carreiras da elite
do funcionalismo, como verdadeira ação de relações públicas. Já o vimos
antes, na campanha contra a PEC 37, em 2013, como o Ministério Público
conseguiu derrotá-la com um discurso maniqueísta em seu favor, veiculado
pela grande mídia. Ao proclamarem que a PEC era a “PEC da impunidade” –
um contrassenso rotundo, já que se tratava apenas de definir a
investigação criminal como atividade típica da polícia judiciária -, os
membros do Ministério Público posavam de heróis na moralista cruzada
contra a criminalidade, mormente a que envolvia atores graúdos da
política. Nessa qualidade, passaram a ser temidos por administradores,
que teriam doravante – esta a intenção latente – mais “simpatia” por sua
corporação.
Fato é que
o “combate” à corrupção pouco tem a ver com corrupção em si. Talvez o
tenha, apenas, na medida em que se avizinha do desvio de atribuições
constitucionais e legais para seu uso corporativo. Mas não muito mais.
Em verdade, diz respeito, em sua ação, à inviabilização de um projeto de
Estado inclusivo e da consolidação do Brasil como ator global.
Principal instrumento desse “combate”, a Lava Jato ajudou a derrubar o
governo Dilma Rousseff com vazamentos de interceptações telefônicas
ilegais e de delações extorquidas de investigados detidos por meses a
fio, recheadas de afirmações não provadas, num “timing” calculado e
articulado com a mídia.
A bola da
vez – A operação quebrou grande parte do setor de infraestrutura do País
e destruiu centenas de milhares de empregos. Colocou no poder uma malta
descomprometida com um projeto nacional, mais preocupada em atrair
negócios para si e os seus, sem zelo pelo custo social e estratégico.
Pôs em cheque a credibilidade das instituições ao fazer alarde e atuar
seletivamente. E rasgou a Constituição ao se permitirem, os membros do
MPF, estabelecer relações onerosas e de alto risco para os interesses do
país com Estados estrangeiros, sem intervenção do Executivo e do Senado
Federal.
E aqui
chegamos, ajudando nossos irmãos do Norte na apropriação de ativos
estratégicos, sem um pio do Ministério Público, a quem a Constituição
incumbiu a defesa da democracia e do interesse público.
É, porém,
da natureza dessas elites do serviço público não sossegarem na atuação
de risco que as prestigiam. O show tem de continuar. Assim a bola da vez
são os golpistas que num primeiro momento se beneficiaram do trabalho
estrambótico do Ministério Público. Só que, nesta nova fase, o complexo
policial-persecutório provavelmente não contará com o apoio midiático. A
mídia já vem substituindo suas acusações seletivas contra o PT, contra
Dilma Rousseff e contra Lula por uma indignação seletiva, como, aliás,
certos atores da cúpula do Judiciário. Passam a criticar o exibicionismo
do juiz federal de piso de Curitiba. Demonstram cólera com as prisões
pré-processuais sem prazo. O arbítrio a que expuseram Lula e o PT não
pode valer para os que derrubaram Dilma. E este é o momento da grande
desmoralização de todo o projeto golpista-corporativo.
Hora da representação popular –
Como sairemos desta situação dramática? A derrocada institucional só
pode ser freada com um banho de legitimidade na política brasileira.
Eleições gerais são um pressuposto para salvação da democracia. Só por
meio delas encontraremos a base para a reforma política e a reforma do
Estado, que redesenhará o papel e a relevância de órgãos que abrigam as
elites do serviço público, nelas incluídos o Ministério Público e o
Judiciário.
É
fundamental que a representação popular, revigorada por atores menos
comprometidos com as práticas patrimonialistas, volte a ser o centro da
ação política, colocando o Supremo Tribunal Federal de volta no seu
lugar de ação complementar, secundária.
Para dar
início a esse processo, por mais contraditório que para alguns possa
parecer, é vital que um personagem retorne ao palco da política nacional
como protagonista: Luiz Inácio Lula da Silva.
Perseguido,
caluniado, difamado, injuriado e submetido à ação arbitrária do juiz de
piso que o fez conduzir coercitivamente aos olhos do público, somente
para abalar sua reputação, Lula permanece na luta mais forte e mais
legitimado que dantes. Cresceu aos olhos da sociedade, principalmente
quando se comparam os resultados de seus governos com a ação medíocre e
lesa-pátria dos golpistas. É um gigante da política, na linhagem de
Getúlio Vargas e JK. Conseguiu, a despeito de todas as aleivosias contra
si lançadas, manter-se aberto ao diálogo com os adversários
implacáveis.
Enquanto
outros queimaram seus galeões, Lula sempre construiu pontes. É, de
certo, o único personagem da política nacional capaz de fazer superar a
polarização criada com a ação perversa da mídia e o ódio das elites.
Contra
Lula, nada de concreto. As acusações vêm ruindo uma a uma pelas palavras
das testemunhas, não só da defesa, mas, também, da acusação. Põe-se a
nu o caráter politiqueiro das iniciativas persecutórias, em uma ação que
usou-se chamar de “lawfare”, o uso de procedimentos jurisdicionalizados
como estratagema de destruir um inimigo político.
Exemplo
mais pornográfico dessa prática é dado pelo recentíssimo “indiciamento”
de Lula por um delegado em Brasília, para atribuir-lhe, ao comando do
Procurador-geral da República, obstrução de justiça, por ter tomado
posse como Ministro-Chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff.
Além da
tese aventureira estar calçada em elemento de convicção invalidado pelo
ministro Teori Zavascki, saudoso relator dos processos da Lava Jato no
STF, o próprio tribunal, em recente julgamento, no caso de Moreira
Franco, vulgo “Angorá”, considerou a nomeação de investigado para o
cargo de ministro inepta para obstruir a justiça.
A
iniciativa é tão rasteira quanto a insistência do juiz federal de piso
de Curitiba, de manter audiência de instrução em ação penal contra Lula
na data antes marcada, a despeito do luto do réu pelo falecimento de sua
esposa.
Mas a
sociedade não se deixa enganar. Quando lhe dói na pele, sabe distinguir
os mocinhos dos bandidos. É só olhar para o estado desolador do país
para saber quem é quem. Enquanto Lula logrou governar com ampla maioria,
sempre trabalhando consensos e acordos, os golpistas, que se
assenhorearam do poder com a destituição fraudulenta da Presidenta Dilma
Rousseff, fazem questão de governar contra tudo e contra todos, sem
legitimidade ou apoio popular, para socar, goela abaixo da sociedade,
retrocessos sociais, econômicos e políticos, nos mais diversos temas.
Não consultam e nem debatem. Passam o rolo compressor sobre qualquer
resistência com uma maioria dócil no Congresso, comprada com favores e
cargos.
Queiram ou
não os golpistas, a volta de Lula é a saída mais adequada para a crise
do país, pois só ele conseguirá recosturar as alianças necessárias para
superar os conflitos que esgarçaram nosso tecido institucional e só com
ele o país pode voltar à condição de membro respeitado no concerto das
nações. Precisamos falar dele e trabalhar já essa perspectiva de seu
retorno, para não dar tempo – “timing”, na linguagem de um delegado
politiqueiro – àqueles que desejam rifar em definitivo o Estado
inclusivo e buscam minar a opção política por Lula através de chicanas
persecutórias. O único meio de calá-los é o apoio maciço dos eleitores.
Vamos à luta!
Wadih Damous
Brasil 247
originalmente publicado
no blog de
Marcelo Auler
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