Embora fictícia, a situação descrita acima deve ocorrer no futuro bem próximo. Nas próximas semanas, na verdade. O inédito sistema de publicidade vai chegar a um seleto grupo de lares de Kansas City por meio do serviço de TV via fibra óptica do Google, o Google Fiber.
O funcionamento segue o negócio do gigante na internet: os anunciantes podem escolher o público que pretendem atingir, pagando proporcionalmente ao tamanho do grupo, e depois ficam sabendo quantos usuários viram a propaganda de seu produto. "O Google está levando a lógica da internet para a TV", diz Amanda Sabia, analista de pesquisa da consultoria americana Gartner. "Quanto mais direcionado o anúncio, mais eficaz. Por conseguinte, maior a receita para o Google."
O pacote só estará disponível para moradores de Kansas City que paguem pelo pacote de serviços Google Fiber, que inclui a conexão ultrarrápida (1 GB por segundo) e um plano de até 150 canais por uma mensalidade máxima de US$ 120. O Google não revela o número de assinantes. A consultoria MoffettNathanton, contudo, estima que até o fim de 2014 eram ao menos de 30.000 assinantes. Para os analistas, o lançamento tem potencial para chacoalhar o setor de entretenimento. Isso porque é um indício de que a empresa usará sua grande especialidade - a venda de publicidade dirigida a partir da análise de dados de consumidores - para oferecer aos anunciantes perfis específicos dos espectadores aos quais seus anúncios serão oferecidos. Será possível conhecer filmes, programas, assuntos, preferências e hábitos de quem está em frente ao televisor como nunca antes.
Para programar a nova publicidade, o Google afirma que usará apenas os dados de localização e histórico dos usuários que assistem à TV. Por ora, não entrariam na equação informações relativas à navegação das pessoas pela internet, como buscas, Gmail e YouTube, entre outros. Mas deve ser questão de tempo para que a empresa faça essa junção, diz o analista Allan McLennan, da consultoria Deluxe Entertainment Services Group, especializada em negócios do audiovisual. É, afirma, o caminho lógico para que a companhia consiga valorizar ainda mais seu serviço de anúncios segmentados. "Quando o Google integrar todos os dados, teremos uma revolução no setor", afirma McLennan. "O recurso quer será lançado agora é uma preparação para esse salto."
A aposta dos analistas é que inovação publicitária do Google deve aumentar o fôlego das TVs por assinatura em um momento em que alguns analistas preveem o declínio do setor devido à ascensão de serviços de streaming, como Netflix, HBO Now e Amazon Prime Instant Video. Para os especialistas ouvidos por VEJA, é uma decisão acertada. "A TV paga permanecerá em nossa vida por um bom tempo. Mas os provedores do serviço precisam eventualmente rever suas ofertas, analisando, por exemplo, se é melhor oferecer centenas de canais, pacotes à la carte, ou algum outro tipo de segmentação", diz Amanda Sabia. Uma pesquisa recente da Gartner comprova a tese: 77% dos adultos de 18 a 74 anos nos Estados Unidos pretendem manter ou assinar um serviço de TV paga nos próximos anos. Em contraste, 19% disseram que não querem o serviço e apenas 4%, que cancelariam a assinatura.
O grande desafio do serviço Google será não parecer excessivamente invasivo. Outro estudo feito em 2013 pela Gartner revelou que 83% dos americanos não se sentem confortáveis ao compartilhar localização e preferências pessoais por meio de suas aplicações. "O sucesso do recurso dependerá de como os espectadores reagirão ao perceber que, a partir de um determinado momento, o conjunto de anúncios exibidos em sua TV é formatado por suas preferências e interesses", diz Amanda. Não está claro como os anúncios funcionarão na fase de testes, se serão exibidos comerciais tradicionais ou se haverá banners (ao estilo internet) na tela. Procurado, o Google afirmou que não pode dar detalhes do recurso por se tratar de algo experimental. Comentaristas do setor concordam que iniciar a propaganda personalizada aos poucos, sem alarde e sem cruzar as plataformas da internet e da TV, é uma forma de evitar assustar os consumidores.
Se o recurso vingar, o impacto nas emissoras de TV será imediato. "Vejo os anúncios segmentados e personalizados sendo implementados em todos os serviços de conteúdo nos próximos anos", diz o analista Fernando Elizalde, da Gartner. Por meio de sua assessoria de imprensa, a TV Globo disse que está atenta à invenção do Google e que busca aprimorar suas tecnologias de publicidade direcionada para diferentes perfis de usuários. A emissora ressalta, porém, que o mercado norte-americano é mais amigável ao recurso, já que sua audiência é muito mais fragmentada do que a brasileira. Se a novidade será uma ferramenta local ou mundial, é cedo para dizer. Muitos dos produtos criados pelo Google são testados em apenas algumas regiões enquanto outros tantos são simplesmente descontinuados. Uma coisa é certa, porém: o Google conhecerá seu público ainda melhor.
Como funciona o recurso de publicidade personalizada para TV do Google:
1. Por ser provedora do serviço de TV, o Google tem direito a uma cota de anúncios nos intervalos comerciais dos programas. A empresa focará em propagandas locais
2. A companhia capta a localização do espectador e o histórico de programas a que ele assistiu. Segundo o Google, o usuário tem a opção de não fornecer esses dados, caso não se sinta à vontade
3. Com base no histórico de programas do espectador, Google consegue compilar diversos perfis baseados em preferências. Se um usuário passa muito tempo assistindo a partidas de futebol, por exemplo, será visto pelos sistema como alguém interessado em artigos esportivos
4. Os anunciantes procuram o Google para que possam veicular sua propaganda para perfis específicos de espectadores. Uma loja de artigos femininos, por exemplo, pode pedir que sua propaganda chegue exclusivamente a esse público. O Google, então, seleciona os perfis adequados de sua base de usuários: são lares em que a TV está constantemente ligada em programas voltados a esse público
5. Os anunciantes pagam ao Google de acordo com o número de visualizações da propaganda. Os dados devem servir para alimentar melhores estratégias para quem anuncia.
Guilherme Pavarin
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