Comida pode virar compulsão. Isso todo
mundo sabe. A culpa é do sistema de recompensa do seu cérebro, que pode
levar a um ciclo vicioso, por liberar dopamina toda vez que você come
algo delicioso. O fenômeno tem até um nome bonito: a “fome hedônica”,
quando uma refeição é motivada mais pelo prazer de comer do que pela
necessidade de nutrir o corpo. O grande problema é que fica muito
fácil acreditar que o excesso de peso é culpa da fome hedônica. E o
pior: já definir que toda pessoa obesa é viciada no prazer de comer – o
que é praticamente equipará-la a um dependente químico. Parte da culpa é da ciência: nós mesmos, já falamos sobre estudos que mostram que a obesidade reduz o prazer
gerado pela comida – e que essa reação seria responsável por fazer uma
pessoa obesa comer sempre mais, para conseguir a mesma liberação de
dopamina e, assim, ela continua obesa. Felizmente, a própria ciência foi
checar se essa relação procede – e provou que, na vida real, longe dos
laboratórios, a associação entre vício e obesidade é frágil, para dizer o
mínimo. Neurocientistas portugueses reuniram
123 pacientes obesos, com IMC acima de 30 pontos. Depois, repetiram o
experimento com um grupo de 278 pessoas. E, por último, refizeram o
estudo com 865 pessoas – assim, dá para dizer que foi um estudo com
amostra bastante representativa da realidade. Os participantes foram avaliados pela
escala chamada “O Poder da Fome”, que calcula, de 1 a 5, o quanto uma
pessoa tende a comer em excesso por prazer. A princípio, eles notaram que, quanto
mais alta a nota de “fome hedônica” do participante, maior a chance dele
ser obeso. No entanto, o contrário não era verdadeiro. Ter prazer extremo ao comer aumentava o
risco de obesidade, sim. Mas a grande maioria das pessoas obesas do
estudo não apresentavam essa fome hediônica. Segundo os pesquisadores,
menos de 10% dos casos de obesidade são influenciados pelo que
conhecemos como “vício em comida”. Outros fatores de risco, como idade,
gênero e nível educacional, ajudavam a explicar cerca de 6% dos casos. Ou seja: ainda existia muita
gente no estudo cujo prazer módico em comer não justificava o IMC alto.
“A recompensa vinda da comida não é uma causa principal da obesidade.
Ainda precisamos achar os outros 84% [dos fatores de risco para
obesidade]”, explica um dos pesquisadores. A obesidade só existe, é claro, quando
a ingestão de calorias é maior do que a gasta pelo corpo. Mas fatores
biológicos (genéticos ou ambientais), psicológicos e culturais também
fazem parte dessa equação. Limitar a questão ao vício em comida
não só culpabiliza a própria pessoa obesa, como não informa bem as
políticas públicas. “Precisamos basear nossas decisões para a saúde das
pessoas em resultados, não em opiniões”, conclui o líder do estudo.
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