Nestes dias, vêm à memória os protestos estudantis de 50 anos atrás,
no famoso Maio de 68. Começando com os estudantes de classes média e
alta, logo se alastrou uma insatisfação com a velha ordem, o mundo como
era até então tinha se tornado limitado demais para eles. A ira se
espalhou, tomando toda a Europa Ocidental, depois pulando para outros
países. Uma reviravolta depois da qual nada seria como antes. Pelo menos
na Europa Ocidental. No
Brasil, uma reviravolta já se anunciava nos protestos de 2013. Era
possível sentir a insatisfação com toda a situação, sem que ninguém
pudesse dizer exatamente aonde aquilo levaria. Cinco anos depois, é
possível sentir a ira por toda parte. Meus amigos petistas estão
furiosos porque, depois de sua presidente, Dilma Rousseff, também lhes
tiraram seu candidato, Lula. Os indígenas, que protestaram na semana
passada em Brasília, estão irados porque ainda estão esperando por seus
direitos constitucionalmente garantidos. Os mais de 13 milhões de
brasileiros desempregados também estão irados, assim como aqueles que
têm trabalho, porque têm que financiar com seus impostos um Estado tido
como corrupto. E os sem-terra e a população urbana pobre estão esperando
com ira para finalmente ganharem uma chance em seu próprio país. A ira é a companheira do senso de justiça, disse certa vez o filósofo
alemão Peter Sloterdijk. A ira é, segundo ele, uma energia moral que é
liberada quando as esperanças são decepcionadas. Quando se imagina um
mundo melhor, mas não se pode concretizá-lo. Então, a ira protege o
valor próprio colocado em perigo. Por isso a ira, diz o filósofo, é
sempre justificada. Porque ela é uma energia autoafirmativa diante de
expectativas frustradas. As expectativas despertadas nas gestões
dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva há
muito tempo deram lugar a uma decepção generalizada. O Cristo Redentor,
que a revista The Economist havia lançado ao céu como um foguete há alguns anos, despencou
de novo há muito tempo. Seguiram-se a isso uma profunda crise econômica
e gigantescos escândalos de corrupção. O sistema político do Brasil
está tão derrubado quanto quase todas as instituições estatais. O Brasil
está à beira de uma reviravolta, todo mundo vê que as coisas não podem
continuar assim. Os brasileiros têm, por isso, o direito de estar com
ira, não importa onde estejam no espectro político. A ira tem
algo de bom, acredita Sloterdijk. Ela é uma energia política primária
que pode impulsionar mudanças. Mas para isso, a ira deve ser
direcionada, os partidos políticos têm que recolhê-la junto ao povo e
transformá-la em uma narrativa de esperança. Se não o fizerem, a ira se
transforma em ódio ou fatalismo – duas coisas de que o Brasil não
precisa. Os políticos do Brasil ainda têm cinco meses para se entenderem
e desenvolverem uma narrativa positiva para o Brasil. Os brasileiros
merecem.
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