As recentes altas do dólar frente ao real levantaram o temor de que o
Brasil possa estar prestes a viver uma crise cambial como a da
Argentina. Somente neste ano, a desvalorização acumulada do real já
alcança 20%. A disparada da moeda americana e o exemplo do
vizinho argentino – e também de países como a Turquia – levaram o
presidente Michel Temer no dia 7 de junho a assegurar que "não há risco
de crise cambial" no Brasil. No dia anterior, o economista e guru
de mercados internacionais Mohamed A. el-Erian havia alertado sobre a
possibilidade de o Brasil ser o próximo país emergente a entrar em crise
financeira. "Depois de Argentina e Turquia, o Brasil será o
próximo a enfrentar um distúrbio no mercado de câmbio?”, publicou ele no
Twitter. Na última quinta-feira (08/06), o dólar chegou a
atingir a máxima de 3,9674 reais. Após atuação do Banco Central para
segurar a moeda por meio de leilões de swap cambial – equivalentes à
venda futura de dólares – a cotação fechou em cerca de 3,90 reais. Nesta
segunda-feira (11/06), a moeda fechou em 3,72 reais após forte atuação
do BC, que ofertou 2,5 bilhões em swaps cambiais. A expectativa é que
entre os dias 8 e 15 de junho as ofertas de swap alcancem mais de 24
bilhões de reais. Na Argentina, a desvalorização do peso levou o
país a recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para pedir um
empréstimo de 50 bilhões de dólares. Tanto a Argentina como a Turquia –
que passa por uma turbulência similar – vêm sendo afetadas especialmente
pelo aumento da taxa de juros nos EUA, que levou investidores a retirar
valores de países emergentes em busca dos rendimentos mais seguros na
economia americana. É comum que o dólar ganhe força quando o Fed (o
banco central americano) aumenta os juros. Em 2001, os dois
países já haviam passado por graves crises financeiras, que derreteram
suas moedas. A Argentina chegou a declarar a maior moratória da
história. Apesar das altas do dólar e do nervosismo observado no
mercado na semana passada, o cenário brasileiro é diferente da Argentina
e da Turquia. "Não há nenhum sentido em comparar o Brasil a
esses países. O que ocorreu foi um momento de pânico disfuncional",
garante Lívio Ribeiro, pesquisador da Instituto Brasileiro de Economia
da Fundação Getúlio Vargas (FGV-IBRE). Ribeiro lembra que a
Argentina e a Turquia são países com déficit em conta corrente elevado e
têm uma parcelada considerável da dívida em dólar e euro - no caso da
Argentina, o percentual passa de 50%. A situação do Brasil é
diferente. A parcela em dólar da dívida é extremamente baixa, não chega a
3% – o país é até mesmo credor líquido em dólar, ou seja, quando a
moeda americana sobe, a dívida do país cai. Além disso, o déficit em
transações – as trocas com outros países –do Brasil é baixo. "A
situação brasileira tem uma dualidade relevante neste momento. O país
não tem risco de crise cambial, já que tem mecanismos para gerar
liquidez na busca de proteção e no mercado a vista, face a
expressividade de suas reservas cambiais, mas ao mesmo tempo tem um
contexto econômico e político amplamente deteriorado que faz com que
ocorra forte aversão ao seu risco, o que desvaloriza de forma
consistente sua moeda", afirmou Sidnei Moura Nehme, economista e
diretor-executivo da corretora NGO. O país ainda possui reservas
cambiais que chegam a 380 bilhões de dólares. Até o momento, nem
recorreu a elas. Apenas as operações anunciadas de swap já alcançam
metade do valor envolvido no acordo da Argentina e o FMI, o que dá uma
dimensão da diferença das ferramentas à disposição de cada país. Antes
do acordo com o FMI, os argentinos viram suas reservas caírem para menos
de 50 bilhões de dólares. "A mera ameaça do Banco Central em
agir já levou a moeda a cair", explicou Ribeiro, citando os leilões de
swap cambial realizados pelo BC na semana passada, que provocaram queda
de 20 centavos no dólar em apenas um dia, a maior queda em um período
tão curto desde 2008. Segundo Ribeiro, é possível que o Brasil
experimente mais altas da moeda até o fim do ano por causa de "eventos
disfuncionais", ou pânicos que podem ter como gatilho o cenário
eleitoral ou novos episódios da crise política. Ainda assim,
nenhum desses episódios deve resultar em uma crise cambial como as que
ocorreram no Brasil em 1999 e 2002. "O cenário hoje é totalmente
diferente. O país conta com amplas reservas internacionais e não tem
déficit elevado em transações. Não se pode comparar os fundamentos
brasileiros com os da Argentina e da Turquia", diz. Ainda segundo
Ribeiro, apesar de cenário tranquilizador no curto prazo, o país
continua com problemas estruturais que podem favorecer cenários adversos
no futuro. "A questão fiscal e a necessidade de reformas são um
consenso entre economistas, mas não entre a sociedade. E também persiste
a incapacidade crescimento sustentável da economia", concluiu.
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