“As minhas contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado.” Essa frase está na ponta da língua dos políticos investigados na Operação Lava Jato por fraudar licitações e superfaturar obras. E o argumento não é falso. Os ex-governadores Aécio Neves (PSDB), de Minas Gerais, Sérgio Cabral (MDB), do Rio de Janeiro, e Beto Richa (PSDB), do Paraná – investigados por suspeita de terem favorecido empresas em licitações –, tiveram as contas aprovadas nos tribunais de contas de seus estados, colocando em xeque a credibilidade dos órgãos de controle como mecanismo para coibir esquemas de corrupção.
O problema é que, entre os julgadores das suas movimentações financeiras, estavam aliados políticos. A ONG Transparência Brasil revelou, em estudo publicado no ano passado, que oito em cada dez conselheiros de contas do país exerceram mandatos eletivos ou altas funções em governos. A pesquisa, realizada em 2014 e atualizada em 2016, incluiu membros do Tribunal de Contas da União (TCU), dos 27 tribunais de contas dos estados e do Distrito Federal, e dos tribunais municipais. Existem quatro tribunais de contas do conjunto de municípios dos estados de Pará, Goiás, Ceará e Bahia, e Tribunais Municipais de contas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
O levantamento mostra que 23% dos 233 conselheiros e
ministros respondem a processos ou já foram punidos na Justiça e até
mesmo nos próprios tribunais de contas. Os supostos guardiões do
dinheiro público são acusados de fraudar licitações, superfaturar obras e
enriquecer ilicitamente. A mais comum acusação que recai sobre eles:
improbidade administrativa.
Embora não tenha havido nenhuma investigação específica
sobre elas, a Operação Lava Jato escancarou a participação dos
integrantes dessas cortes estaduais, municipais e federal nos esquemas
de desvio de dinheiro. No Rio de Janeiro, cinco conselheiros do TCE
estão afastados, suspeitos de cobrar propina para fazer “vista grossa” de contratos do governo com empreiteiras.
Até fevereiro deste ano, o ex-ministro das cidades do
governo de Dilma Rousseff Mário Negromonte (PP-BA) ocupava uma cadeira
no conselho do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado Bahia (TCM).
Ele foi acusado de pedir propina de R$ 25 milhões para beneficiar
empresas do setor de rastreamento de veículos quando era ministro.
Indicado pelo ex-governador Jaques Wagner (PT-BA), em 2014, o
conselheiro foi afastado depois que virou réu por corrupção passiva. O
senador Agripino Maia (DEM-RN) teria influenciado a mudança de parecer
do TCE do Rio Grande do Norte, favorecendo a OAS na construção do
estádio Arena das Dunas para a Copa do Mundo de 2014, de acordo com
denúncia da Procuradoria-Geral da República, acatada pelo Supremo
Tribunal Federal (STF). A operação atingiu também a cúpula do TCU. O
filho do ministro Aroldo Cedraz (ex-deputado federal da Bahia pelo PFL,
hoje DEM), o advogado Tiago Cedraz, passou a ser investigado em 2015
depois de o dono da empreiteira UTC Engenharia, Ricardo Pessoa, ter dito
que o contratou para obter dados de difícil acesso na corte e para
comprar uma decisão referente à usina nuclear Angra 3. Procurados pela
reportagem da Pública, todos negam as acusações. (Leia o que dizem os citados)
Tudo dominado
Os tribunais de contas estaduais possuem sete conselheiros.
Quatro são escolhidos pelo voto dos deputados; um, livremente pelo
governador; e os outros dois, também pelo governador, mas têm de ser
auditores e procuradores do Ministério Público de Contas.
Procurador do Ministério Público junto ao TCU e presidente
da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (Ampcon), Júlio
Marcelo de Oliveira – conhecido por ser o autor da representação que levou à reprovação das contas de 2014 da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) por fraude fiscal
–, alerta que, quanto mais tempo o mesmo grupo político permanece no
poder de um estado, mais influência ele tem no tribunal de contas.
É o caso, por exemplo, de Minas Gerais. O PSDB
permaneceu no governo por 12 anos, de janeiro de 2003 a janeiro de 2015.
Todos os membros do órgão mineiro são ligados aos ex-governadores
tucanos Aécio Neves e Antonio Anastasia: os ex-deputados Mauri Torres
(PSDB), José Alves Viana (DEM), Wanderley Ávila (PSDB) e Sebastião
Helvécio (PDT) foram indicados pela Assembleia Legislativa. Já os dois
cargos técnicos, ocupados por Cláudio Terrão e Gilberto Pinto Dinis,
foram nomeação de Anastasia.
O levantamento da ONG Transparência Brasil que avaliou a
vida pregressa de todos os membros das cortes dos tribunais de contas na
ativa em 2016 traz a informação de que, no grupo de conselheiros que
jamais ocuparam cargo eletivo nem foram secretários de governo, 6%
respondem a processo na Justiça. Já entre os conselheiros que são
políticos profissionais, a porcentagem sobe para 27%.
Políticos que perderam o mandato, que estão achando difícil
se reeleger, ou que querem aumentar o poder político da família, sendo
substituídos na Assembleia pelo filho ou mulher, por exemplo, cobiçam as
vagas de conselheiros de contas. Ali, recebem diversos benefícios, como
foro privilegiado, cargo vitalício, salários altos – o salário-base é
de R$ 30.471 –, além de gratificações e outras vantagens.
Juntos, os tribunais de contas custam mais de R$ 10 bilhões
aos cofres públicos, de acordo com o procurador Júlio Marcelo de
Oliveira. Os cargos de conselheiros são equivalentes aos dos
desembargadores, e os ministros do TCU são equiparados pela Constituição
Federal aos ministros do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Os membros
dos órgãos de controle estão regidos pela Lei Orgânica da Magistratura.
No entanto, ninguém os fiscaliza. “Os tribunais de contas não têm
controle nenhum. Ninguém fiscaliza esses órgãos”, ressaltou Oliveira.
Em abril deste ano, vagou uma cadeira na corte de Minas,
com a morte da conselheira Adriene Andrade, mulher do ex-senador Clésio
Andrade (MDB). Ela preenchia a vaga de indicação livre do governador.
Será a vez agora do atual gestor do estado, Fernando Pimentel (PT),
indicar um nome. O líder do governo no Legislativo, deputado estadual
Durval Ângelo, é o mais cotado a assumir o conselho, perpetuando a
prática de aliados políticos fiscalizarem a prestação de contas de
governadores.
Com interesses políticos predominando sobre interesses
públicos, não faltam escândalos no currículo do TCE de Minas Gerais. Em
2002, o então presidente do órgão, José Ferraz, já falecido, foi
apontado pelo Ministério Público do estado como um dos envolvidos em um
incêndio criminoso que destruiu provas de investigações fiscais. Em
2008, três conselheiros, incluindo o presidente, foram indiciados por
suspeita de envolvimento com uma organização criminosa acusada de ter
desviado R$ 200 milhões em verbas do Fundo de Participação dos
Municípios. O esquema foi revelado na Operação Pasárgada, que teve como
alvo também membros da corte do Rio. Em 2015, o jornal Estado de Minas revelou que os conselheiros receberam, em dezembro de 2014, salários que ultrapassavam R$ 150 mil mensais.
O Ministério Público chegou a questionar na Justiça, em
2006, a indicação de Adriene Andrade ao conselho da corte de contas, com
o argumento de que ela não possuía os requisitos para preencher a vaga.
Ela era ré em processos sob a acusação de fraudar licitações e
respondia a ações cíveis e inquéritos policiais por supostas
irregularidades administrativas quando foi prefeita de Três Pontas, de
2001 a 2004. (Veja o que dizem os mencionados na reportagem)
Sociedade civil fica de fora do TCE
Para ser conselheiro do TCE de Minas, de acordo com artigo
78 da Constituição mineira, que foi inspirada na brasileira – na qual há
os critérios destinados aos ministros do TCU –, é preciso ter “mais de
trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade; possuir
idoneidade moral e reputação ilibada; notórios conhecimentos jurídicos,
contábeis, econômicos, financeiros ou de administração pública; e ter
mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade
profissional que exijam os conhecimentos mencionados no inciso
anterior”.
Doutor em contabilidade e finanças públicas, com mais de
dez anos de serviço público, sendo quatro no TCE, o contador Alexandre
Bossi encontrou na lei a possibilidade de fazer diferente: ocupar uma
vaga de juiz de contas sendo um representante da sociedade civil. O
desejo surgiu depois que ele trabalhou como auditor no tribunal mineiro.
“Eu me sentia muito incomodado. Como auditor concursado, como técnico,
você levanta várias coisas, faz inspeção na rua, visita municípios, faz
um trabalho técnico de qualidade, com levantamento de irregularidades,
de má gestão. Quando chega para votação política, no plenário, muitas
vezes aquilo que a gente pesquisava, pegando o que a lei estipula em
termos de punição, era deixado de lado. Achávamos, por exemplo, alguma
irregularidade muito grande em uma estatal, aí, ao invés de aplicar
multa, aplicava ressalva. Ou seja, não funcionava”, lembrou Bossi.
Em 2000, com a morte de um conselheiro indicado pela
Assembleia, Bossi decidiu candidatar-se. O percurso, descobriu, não era
tão simples como parecia. De acordo com o regimento interno do
Legislativo mineiro, para entrar na disputa por uma vaga na corte de
contas, é preciso ter o apoio de 20% dos deputados estaduais. “É feito
para a sociedade não participar. É publicado no rodapé do Diário Oficial
e, quando abre a vaga, só tem dez dias para fazer o registro”, avaliou.
Consultor do Legislativo desde 1993, ele tinha proximidade
com os parlamentares e bateu na porta dos 77 gabinetes para conseguir os
16 votos necessários. Cada deputado pode apoiar até dois candidatos.
“Os deputados falavam comigo: ‘Você tá doido? Já tenho compromisso com
meu colega aqui, do partido tal’. Eu respondia: “Ô deputado, não diga
isso. Diga que tem compromisso porque acredita que ele vai ser um bom
fiscal, um bom auditor, mas não porque é seu amigo de partido”, lembrou.
Bossi conseguiu o apoio e foi o primeiro representante da sociedade
civil a disputar o cargo no país. Ele concorreu naquele ano com cinco
deputados.
Na votação do plenário, Bossi precisaria de 39 votos, mas
teve apenas um. Depois que experimentou a eleição pela primeira vez, o
servidor público conseguiu entrar na disputa todas as outras cinco vezes
em que vagaram cadeiras da Assembleia, em 2004, 2005, 2009, 2011 e
2012, sempre concorrendo com deputados. Ele até mesmo tentou ser o
indicado do Aécio, em 2006. “Eu tentei falar com o governador, dizer pra
ele para indicar uma pessoa com perfil técnico, mas o Aécio nem me
recebeu. Foi o Anastasia, na época secretário de Estado, quem me
atendeu”, contou. Naquele ano, Adriene Andrade foi a escolhida.
“Não vou me candidatar mais”, garantiu Bossi. “Eu fiquei de
2000 a 2012 mexendo com isso. É muito cansativo, eu paro a minha vida,
mas isso não significa que eu desisti da luta”, explicou. Ele disse
desconhecer casos de nomeações que não sejam políticas. “A sociedade
civil organizada jamais conseguiu emplacar um nome. No caso da minha
candidatura, eu tive a iniciativa, mas contei com o apoio de entidades
como o Conselho Regional de Contabilidade e do Sindicato dos Servidores
do Tribunal de Contas”. Para ele, é muito importante colocar os
tribunais de contas, “órgãos desconhecidos da sociedade e tão
importantes no combate à corrupção”, sempre na pauta de discussão. “Os
diversos casos de desvio de dinheiro público que, com frequência,
aparecem nas primeiras páginas dos jornais são prova de que os tribunais
de contas não andam exercendo satisfatoriamente o seu papel
fiscalizador”.
Aprovada pelo TCE-MG, cidade administrativa cai na mira da Lava Jato
Na mira da Operação Lava Jato, a Cidade Administrativa da capital mineira passou pelo crivo do Tribunal de Contas de Minas em 2007. As suspeitas reveladas nas investigações da Polícia Federal (PF) são de que o então governador Aécio Neves tenha recebido da Odebrecht R$ 5,2 milhões em propina para que a empresa faturasse a licitação. Os recursos teriam ido para sua campanha, de acordo com a delação do ex-executivo da empreiteira Benedicto Júnior. Sempre que questionado sobre as acusações, Aécio Neves diz que “o edital de licitação foi apresentado previamente ao Ministério Público Estadual e ao Tribunal de Contas do Estado”.
Inaugurada em 4 de março de 2010, dia em que o avô de
Aécio, o ex-presidente Tancredo Neves, completaria 100 anos, a Cidade
Administrativa é a obra mais cara da gestão do tucano. Ela custou R$ 1,2
bilhão aos cofres públicos. Apesar do alto investimento, salta aos
olhos de quem frequenta o local a infraestrutura já decadente: pisos com rachaduras surgidas apenas três meses depois da inauguração
, janelas proibidas de serem abertas – ficam lacradas – porque os
vidros caem lá do alto e cheiro forte de esgoto nos jardins. Em 2015, um vendaval arrancou parte do teto do prédio.
Em fevereiro, Fernando Pimentel decidiu desativar o Palácio
Tiradentes, um dos prédios da Cidade Administrativa, onde o governador
despachava. De acordo com Pimentel, a medida trará uma economia de 40%
nos gastos com insumos diversos, manutenção rotineira e com o consumo de
água e energia. O PSDB rebateu a decisão do petista e garantiu que a
centralização da estrutura governamental naquele espaço gerou uma
economia de R$ 590 milhões aos cofres públicos entre 2011 e 2015.
Passados 17 anos do lançamento do edital da Cidade
Administrativa, o TCE de Minas instaurou, em abril de 2017, um
procedimento para investigar se houve fraude no contrato. A medida foi
tomada depois que a Procuradoria-Geral da República abriu inquérito para
averiguar a existência de crimes envolvendo Aécio Neves na obra. A
iniciativa para a investigação partiu do Ministério Público de Contas.
A Pública entrou em contato com as assessorias de imprensa do senador
Aécio Neves e do Tribunal de Contas de Minas, que não deram retorno.Ministério Público
Além de atuarem como auxiliares dos tribunais de contas no
controle e na fiscalização da execução do orçamento e dos atos de gestão
dos recursos públicos, os membros do Ministério Público de Contas podem
apresentar uma denúncia à corte de contas para que irregularidades
sejam apuradas e os gestores, responsabilizados. Os pareceres dos
procuradores de contas, servidores concursados com carreira de bacharel
em direito, são opinativos. Ou seja, eles não têm o poder de vetar as
decisões dos conselheiros, que podem acatar ou não suas recomendações,
tendo apenas como ferramenta o recurso para que as decisões sejam
revistas.
Nunca na história do TCE de Minas, por exemplo, houve
reprovação das contas de um governador. Mesmo quando os procuradores de
contas alertaram para problemas graves. Em 2013, o Ministério Público de Contas advertiu
que o estado não cumpriu o mínimo constitucional para a educação, de
25% da receita, tendo aplicado apenas 23,91%. Isso não impediu, no
entanto, que os conselheiros aprovassem as contas do ex-governador Antonio Anastasia, argumentando que o gestor havia cumprido os índices constitucionais.
13 conselheiros afastados em um ano
O descumprimento da aplicação mínima constitucional de 15%
da receita para a saúde foi um dos principais argumentos dos
conselheiros do TCE do Rio para a rejeição do balanço financeiro de 2016
do governador Luiz Fernando Pezão (MDB).
A última vez que o TCE havia emitido parecer contrário às contas do
estado fora em 2003. A decisão contrária a Pezão se deu em maio do ano
passado. “O colegiado que deliberou pela rejeição das contas em 2016 foi
integrado por conselheiros suplentes, tendo em vista o afastamento dos
titulares por ordem judicial (IPL 1133/DF – Operação Quinto do Ouro).
Note-se que em anos anteriores (2007-2015) o número de inconsistências
foi até maior. Ainda assim as contas eram sistematicamente aprovadas com
parecer favorável do TCE, numa evidente demonstração de que o controle
era meramente formal e de que existia uma estratégia de proteção mútua
entre os órgãos”, alertou o Ministério Público Federal (MPF) no documento que justifica a Operação Cadeia Velha, que revelou um esquema de corrupção na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Apesar da recomendação do TCE, a Assembleia do Rio aprovou,
em setembro de 2017, a movimentação financeira do governador. A
população e os servidores do estado, que convivem com salários
atrasados, foram proibidos de participar da votação. À época, o
Legislativo fluminense justificou que a decisão foi tomada pela
presidência, por recomendação da segurança da Casa, “amparada em
informações de que poderia haver atos violentos nos protestos”. Dois
meses depois da reunião, Pezão indicou para o conselho da corte Edson
Albertassi (MDB), então presidente da Comissão de Orçamento, Finanças,
Fiscalização Financeira e Controle da Alerj, que também tinha dado aval à
sua prestação de contas.
“Os fatos, no entanto, demonstraram que a argumentação de
Albertassi não passou de mera retórica para justificar a proteção ao
governo cujas contas, se tivessem sido rejeitadas, poderiam levar à
responsabilização pessoal do governador”, observaram os procuradores no
documento. Ex-líder do governo na Assembleia, Albertassi foi preso na
Operação Cadeia Velha, antes de assumir a vaga no TCE. Ainda de acordo
com o MPF, “desde 2007 e durante toda a administração de Sérgio Cabral,
houve razões de sobra para a reprovação das contas do governo, contudo,
como o processo de fiscalização sempre esteve viciado, em momento algum o
ex-governador esteve sob o risco de se ver submetido ao processo
político de impedimento”.
Há suspeitas de que durante o governo de Cabral cinco dos
sete conselheiros do tribunal – Aloysio Guedes, Domingos Brazão, Marco
Antônio de Alencar, José Gomes Graciosa e José Maurício Nolasco –
participaram de um esquema de cobrança de propina para fechar os olhos
para os contratos entre empreiteiras e o governo. A Operação Quinto do
Ouro, da PF, que revelou o esquema, teve como base a delação premiada do
ex-presidente do TCE Jonas Lopes. Os cinco conselheiros foram presos
temporariamente em 29 de março de 2017 e soltos em 7 de abril, mas
seguem afastados de suas funções desde então. O TCE do Rio afirmou, por
meio de nota, que não irá comentar sobre o assunto. A reportagem não
conseguiu contato com a defesa dos conselheiros afastados.
No Mato Grosso também foram afastados cinco conselheiros.
Eles são suspeitos de ter recebido R$ 53 milhões em propinas para não
prejudicar o andamento das obras da Copa no estado. O esquema foi
revelado em delação do ex-governador Silval Barbosa (MDB) durante a
Operação Malebolge, da PF. Os conselheiros Valter Albano, Antônio
Joaquim, José Carlos Novelli, Waldir Júlio Teis e Sérgio Ricardo de
Almeida foram afastados em setembro do ano passado pelo STF. A Malebolge
é uma sequência da Operação Ararath, que desde 2013 investiga um
suposto esquema de lavagem de dinheiro público e crimes financeiros no
Mato Grosso.
À reportagem, o TCE do Mato Grosso informou, por meio da
assessoria de imprensa, que houve uma investigação interna em outubro de
2016. “A investigação foi conduzida por dois conselheiros substitutos e
um procurador do Ministério Público de Contas, com conclusão em março
de 2017”, observou o órgão. “Não chegou a nenhuma evidência de crime,
mas mesmo assim a comissão responsável entendeu por bem encaminhar
cópias dos autos para os Ministérios Públicos Federal e Estadual”, diz a nota.
No Espírito Santo, o conselheiro José Antônio Almeida
Pimentel foi acusado de receber dinheiro em troca de facilitação e
favorecimento para a aprovação de processos perante a corte de contas do
Estado. As investigações revelaram também que ele teria oferecido
expertise e apoio técnico no direcionamento de processos licitatórios em
diversos municípios capixabas. José Antônio é alvo da Operação Moeda de
Troca, deflagrada em 2010, que apura fraudes em licitações de
municípios no Espírito Santo. Ele saiu do cargo, por decisão do STJ, em
junho do ano passado.
A defesa argumentou ao STF que a denúncia contra José
Antônio Pimentel seria inepta, principalmente por ausência de justa
causa relativa aos crimes de lavagem de dinheiro e organização
criminosa. Os fatos imputados ao denunciado, de acordo com a defesa, não
estariam especificados.
O conselheiro do TCE do Amapá José Júlio de Miranda Coelho
foi igualmente afastado de suas funções em março de 2018 pelo STJ. Ele é
acusado de ter cometido 62 vezes o crime de lavagem de dinheiro com uso
de terceiros.
José Júlio tinha sido afastado em 2015 e voltou ao cargo em
dezembro de 2017 por decisão do STF. Diante do novo processo de
afastamento, a defesa de Coelho alegou que, diante da reintegração
promovida pela Suprema Corte, não havia fato recente que justificasse o
novo pedido de afastamento feito pelo Ministério Público Federal. Mas
ele foi afastado mesmo assim.
Bom relacionamento e parentesco
A relação de cumplicidade entre o órgão de controle e seu
controlado é um dos principais motivos da corrupção nos tribunais de
contas, de acordo com o procurador Júlio Marcelo de Oliveira. “O
político que ocupa a cadeira de conselheiro terá, na maioria dos casos,
uma visão mais simpática ao seu grupo político. O desenho institucional
atual é vulnerável à captura política”, acrescentou.
“É com muita tranquilidade e serenidade que eu afirmo que
este governo do estado do Rio de Janeiro, com suas finanças públicas,
seus controles públicos, faz uma nova era do estado. Nós que cuidamos
das contas do estado sentimos claramente a mudança radical que houve na
Secretaria de Fazenda”, afirmou o então presidente do TCE do Rio de
Janeiro José Maurício Nolasco durante a abertura do IV Encontro do
Conselho Nacional dos Órgãos de Controle Interno, que ocorreu em 2009.
Anos depois, ele seria investigado na Operação Quinto do Ouro, já
mencionada anteriormente.
“Da parte do Tribunal de Contas de Goiás e do nosso
governo, o que tem ocorrido invariavelmente é uma relação harmônica,
porque há, acima de tudo, uma identidade de propósitos”, afirmou o então
governador de Goiás Marconi Perillo (PSDB) durante a inauguração de uma
nova sede do TCE, em agosto de 2016. Perillo é acusado de ter formado
uma aliança com o dono da construtora Delta, Fernando Cavendish, e com o
bicheiro Carlinhos Cachoeira para receber vantagens indevidas em troca
de contratos com o governo goiano que causaram prejuízos aos cofres
públicos. Em nota enviada à imprensa quando denunciado ao STJ, em março
de 2017, ele negou as acusações. Assim que deixou a vaga para disputar a
reeleição, em abril, o governador que o substituiu, José Eliton (PSDB),
indicou o cunhado de seu antecessor, Sérgio Cardoso, ao conselho do
Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás. (Veja a íntegra da nota do TCE-GO)
O levantamento da ONG Transparência Brasil mostrou também
que 32% dos conselheiros têm relações de parentesco com políticos. “As
relações são diversas e demonstram, em alguns casos, laços com figuras
influentes na política local há diversas gerações. Em um caso, o poder
remonta ao período imperial: o clã político cearense Paula Pessoa, ao
qual pertence o conselheiro Luís Alexandre Albuquerque Figueiredo de
Paula Pessoa, do TCE do Ceará, conta com oito gerações de políticos
influentes. O conselheiro, além de ter de pai, irmão e sobrinho na
política subnacional, tem como antepassado um senador do Império”,
observou a ONG no estudo. (Veja o que dizem os mencionados na reportagem).
O movimento #MudaTC, criado pela entidade presidida pelo
procurador junto ao TCU, Júlio Marcelo de Oliveira, a Ampcon, a
Confederação Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Conacate) e a
Federação Nacional das Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas
do Brasil (Fenastc), depois do escândalo no TCE do Rio, apoia a
aprovação da PEC 329/2013, que está pronta para ir a plenário.
Entre os principais pontos está a mudança na composição dos
tribunais de contas, proibindo indicações políticas. O projeto prevê
também que os conselheiros sejam fiscalizados pelo Conselho Nacional de
Justiça, assim como todos os juízes, desembargadores e ministros do STF e
do STJ.
Já a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do
Brasil (Atricon) defende que seja criado um Conselho Nacional dos
Tribunais de Contas para fiscalizar as cortes de contas. Em relação à
composição dos tribunais, o presidente da entidade, Fábio Nogueira,
explica que a associação não é contra a indicação de políticos à vaga.
“Nós não temos nenhum preconceito contra aqueles que vêm do Parlamento. O
que nós precisamos é ter cautela nas indicações”, defendeu.
A proposta de mudanças da Atricon está na PEC 22/2017.
Ela foi formulada e sugerida pela entidade e apresentada pelo senador
Cássio Cunha (PSDB-PB). O projeto assegura a maior parte dos assentos
aos membros das carreiras técnicas – cinco no TCU e quatro nos outros
tribunais. E prevê o fim das indicações livres do chefe do Executivo e a
redução das indicações do Legislativo, fixando critérios como
quarentena de três anos afastado de mandato eletivo, não ter sido
condenado judicialmente nem ter tido contas reprovadas.
Além disso, a PEC determina que os conselheiros deverão ter
graduação e experiências nas áreas jurídica, contábil, econômica e
financeira ou de administração pública. Atualmente, apesar de a
Constituição exigir “notórios conhecimentos jurídicos, contábeis,
econômicos, financeiros ou de administração pública”, há conselheiros de
diversas áreas e sem ensino superior nas cadeiras de tribunais de
contas estaduais. De acordo com estudo do perfil desses tribunais
publicado em 2014 pelo contador Alexandre Bossi, que também é professor
do Centro Universitário UNA em Belo Horizonte, esse grupo chega a 23%
dos conselheiros. A pesquisa dele abrangeu o TCU, os 26 tribunais
estaduais e o do Distrito Federal.
Atualização em 15/06: Depois da
publicação, a assessoria de imprensa do Tribunal de Contas do Estado de
Goiás entrou em contato com a reportagem da Pública afirmando que o
governador do estado, José Eliton, indicou Sérgio Cardoso, cunhado do
ex-governador Marconi Perillo, para o Tribunal de Contas dos Municípios e
não para o Tribunal de Contas do Estado, conforme a Pública havia
informado anteriormente. Sérgio Cardoso não analisará as contas
referentes ao mandato do ex-governador. A informação foi corrigida.
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Alice Maciel
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