O ordoliberalismo é uma teoria econômica bastante difundida na
Alemanha, mas pouco conhecida em outros países. Trata-se de um ramo do
liberalismo que defende a competição e a livre iniciativa, mas com um
Estado que garanta igualdade de oportunidades e uma moeda estável e que
combata monopólios – "ordo" vem de "ordem". Esse sistema foi
proposto nos anos 1930 por professores da Universidade de Freiburg, no
sudoeste da Alemanha, e aplicado na prática pelos primeiros governos
alemães após a Segunda Guerra, na década de 1950, quando o país
vivenciou seu "milagre econômico". Outra regra do
ordoliberalismo, de inspiração protestante, é que cada um deve ser
responsável por suas ações e colher os frutos de seu trabalho ou arcar
com os prejuízos de suas escolhas. A teoria ainda tem seguidores
no governo alemão e foi citada para justificar posições austeras do país
em relação a nações europeias em dificuldade — como a Grécia após a
crise do euro em 2008 e a Itália de hoje. Segundo esse
raciocínio, Estados europeus em crise deveriam se esforçar mais para
organizar suas contas em vez de pedir "solidariedade" dos vizinhos mais
ricos. Como surgiu a teoria O
ordoliberalismo foi elaborado por três professores protestantes que
almejavam um sistema liberal e democrático que levasse a Alemanha ao
progresso econômico. Assinam o manifesto fundador, publicado em 1936, o
economista Walter Eucken e os juristas Franz Böhm e Hans
Großmann-Doerth. Na época, o país tinha acabado de sair do
período conhecido como República de Weimar, na qual monopólios,
proximidade excessiva entre empresas e governo e hiperinflação,
combinados com desorganização política, provocaram crise social e
facilitaram a chegada de Adolf Hitler ao poder. Para os autores
do manifesto ordoliberal, a melhor alternativa para a Alemanha seria um
governo que não interviesse na economia, mas estimulasse a competição,
para permitir a realização da autonomia e da capacidade pessoal de cada
um, e garantisse igualdade de oportunidades. "Uma metáfora que
ajuda a explicar o ordoliberalismo é o esporte. Para o neoliberalismo, o
jogador mais eficiente vence. Para os ordoliberais, não basta o jogador
mais eficiente vencer, ele deve fazer isso em uma competição justa e
aceitável moralmente", diz Christian Joerges, professor da Hertie School
of Governance, em Berlim, e especialista no tema. Na década de
1940, o ordoliberalismo incorporou ideias de um quarto professor, o
católico Alfred Müller-Armack, da Universidade de Colônia: além de
garantir regras justas, o Estado deveria oferecer políticas sociais para
o bem-estar da população. Müller-Armack também sugeriu um novo
nome para tornar a teoria mais atrativa ao público, e passou a chamá-la
de economia social de mercado. Algo entre o liberalismo puro e a
economia socialista planificada. As ideias ordoliberais chegaram
ao poder com o governo do primeiro chanceler federal da antiga Alemanha
Ocidental, Konrad Adenauer, que comandou o país de 1949 a 1963, e de seu
ministro da Economia e sucessor, Ludwig Erhard, que governou a nação
até 1966. O debate renovado na Europa A
partir da crise do euro de 2008, quando a Grécia deu sinais de que não
conseguiria pagar sua dívida, seguida por outros países como Portugal e
Itália, o ordoliberalismo voltou ao debate público europeu como uma
tentativa de explicar a posição austera da Alemanha – que inclui
resistir a pacotes de resgate desses países e exigir medidas duras de
contrapartida. Um dos receios do governo alemão é transformar a
União Europeia (UE) em uma "união de transferência" de recursos de
países mais ricos para países em dificuldades, ou em uma "união de
dívidas". Para alguns políticos, isso feriria a regra de que cada um
colhe os benefícios ou assume os prejuízos de suas escolhas. O
ex-ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, que ficou no cargo
de 2009 a 2017, foi um dos que recorreram ao ordoliberalismo para
rejeitar mais apoio às nações em crise. De janeiro de 2010 a dezembro de
2015, ele citou conceitos ordoliberais em 36 das 80 vezes em que falou
sobre a "solidariedade" da Alemanha durante a crise do euro, segundo
levantamento de Joerges com Josef Hien. Em um desses discursos,
Schäuble disse que a crise ocorrera porque alguns países europeus tinham
"usufruído muito além de suas possibilidades", em uma referência à
regra de que cada um deve ser responsável pelos seus atos. O
atual presidente do Banco Central alemão, Jens Weidmann, também cita
ordoliberais em discursos. Em 2013, ele afirmou que todos os políticos
"deveriam colocar debaixo do travesseiro" uma cópia do livro Princípios de Economia Política, de Walter Eucken, que assinou o manifesto ordoliberal de 1936. Joerges
é crítico à forma como políticos citam o ordoliberalismo atualmente.
Para ele, as referências são um recurso retórico sustentado mais em
traços culturais protestantes do que na teoria ordoliberal. "São menções instrumentais, não baseadas em um raciocínio conceitual, como era o dos pensadores ordoliberais. É vazio", diz. A influência sobre Roberto Campos No
Brasil, um admirador do ordoliberalismo foi o economista Roberto
Campos, ministro do Planejamento de 1964 a 1967, nos primeiros anos do
regime militar. Em livro publicado em 1963, Campos demonstra
simpatia pela teoria e propõe trazê-la para a realidade brasileira, diz
Caroline Rippe, professora da Universidade Federal da Fronteira Sul, em
Erechim (RS), que pesquisa o tema. Transplantar o ordoliberalismo
para o Brasil em 1963, contudo, seria pouco provável. Além das
diferenças estruturais entre os dois países, o presidente era João
Goulart, cujas reformas de base aumentavam a intervenção do Estado na
economia. No ano seguinte, Jango foi deposto por um golpe, teve
início a ditadura militar e Campos foi nomeado ministro do Planejamento
pelo presidente Castelo Branco. Segundo Rippe, que analisou
documentos na Alemanha e no Brasil, o primeiro plano econômico anunciado
por Campos, conhecido como Programa de Ação Econômica do Governo
(PAEG), tinha algumas semelhanças com as medidas adotadas por Adenauer e
Erhard, especialmente quanto a combate à inflação, fortalecimento da
moeda e incentivo à livre iniciativa. Mas havia uma diferença
fundamental entre o modelo que Campos admirava e o plano que ele
elaborou para o Brasil: enquanto a Alemanha vivenciava uma democracia, o
Brasil era governado por uma ditadura. "O ordoliberalismo se
encaixa no regime democrático, tem sua raiz no liberalismo. Não se
justificaria numa ditadura, onde não há liberdades individuais",
considera Rippe.
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