“O Brasil está precisando de empatia, compaixão e coletividade”



Carla Jiménez, diretora de Redação da edição brasileira do EL PAÍS, tinha preparado para receber o prêmio jornalístico Troféu Mulher de Imprensa um discurso que acabou não lendo, dada a informalidade do ato. Nele, a jornalista, que confessa ter dois corações, um de seu país de origem, o Chile, e outro, brasileiro, e “que consegue ver somente a beleza presente na alma deste país”, dava uma pincelada sobre o que tem sido e é para ela o jornalismo e sua tarefa neste jornal.

Acredito que seus milhões de leitores gostarão de conhecer o que ela havia escrito para ler em público. Em um momento crítico para a atividade jornalística, o das fake news e da pós-verdade, Carla lança um desafio a todos os que seguem apostando na função social de informar a sociedade com credibilidade: “Não me rendo às verdades distorcidas de que este país é incapaz de sair de seu lugar”. E ela se pergunta: “Como romper os bloqueios?”. Resume com uma frase que define a função básica do jornalismo sério: “Procurar revelar as sombras do Brasil, mas também mostrar as luzes da sociedade brasileira”. Uma sociedade, diz, que está necessitada de “empatia, de compaixão e de coletividade”. Três componentes básicos que ajudariam este país a sair da crise em que vive. A empatia como capacidade de saber escutar e compartilhar, com o coração aberto, os lamentos de dor e de esperança dos que caminham a nosso lado, seja qual for sua crença. A compaixão para não fechar os olhos ao sofrimento dos outros, que costuma ser o nosso, embora às vezes o chamemos por outro nome. E a necessidade de coletividade, o esforço de juntar as mãos para construir a sociedade em que gostaríamos de viver. Sem essa consciência de comunidade, enredados no individualismo ou adormecidos nos sofás dos privilégios, dificilmente conseguiremos um país menos desigual.
Carla confessa que encontrou neste jornal, que ajudou a construir com paixão e profissionalismo desde o primeiro dia da Edição Brasil, o que sempre guiou seus passos como jornalista livre e comprometida com a profissão: a defesa dos valores democráticos sem rótulos, que, lembra, guiou o nascimento do EL PAÍS espanhol, que foi criado meses depois da morte do ditador Franco e apostou, desde o primeiro número, na democracia que tinha sido mortificada durante os 40 anos da ditadura.
Carla resume quais são os pilares que neste momento de um mundo em transformação este jornal defende: os valores da mulher, uma das maiores revoluções de nosso tempo, a inclusão das minorias, em um momento em que a intolerância e os novos racismos tentam relegá-las ao esquecimento, e a defesa dos valores democráticos, um capítulo crucial neste país e que começa a ser ameaçado pelos demônios do totalitarismo e o esquecimento dos marginalizados.
Em seu discurso Carla revela também uma curiosidade que muitos leitores certamente ignoram: como nasceu a ideia de criar a edição do EL PAÍS Brasil, em português. Surgiu, é verdade, e eu fui testemunha disso, do primeiro grande protesto da população em junho de 2013, quando os brasileiros saíram à rua para exigir um Brasil melhor e com maior participação da sociedade nas decisões do Governo. Os responsáveis pelo EL PAÍS global em espanhol descobriram que naqueles dias milhares de brasileiros estavam lendo este jornal em espanhol para saber como um jornal importante internacional estava informando sobre os protestos e, assim, decidiram abrir a seção brasileira em português.
Isso deveria levar à reflexão alguns leitores que às vezes nos perguntam por que não vamos escrever na Espanha. Precisamente porque, como durante aquelas manifestações, também hoje milhões de brasileiros leem este jornal para enriquecerem sua visão da realidade brasileira comparando-a com o prisma estrangeiro. Hoje tudo é global e todos ganhamos somando em vez de subtraindo possibilidades de mais e melhores informações. Curiosamente, também hoje muitos espanhóis e latino-americanos leem esta edição brasileira para se informarem sobre os rumos do Brasil, este país continente que, apesar de todas as suas crises, continua fascinando fora de suas fronteiras.

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Juan Arías
El País

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