Queda do valor de moedas emergentes desperta temor de nova crise mundial



O sinal definitivo de que algo não ia bem entre as moedas dos países emergentes foi dado em julho pela lira turca. Várias sacudidas e a gota d’água na forma de tarifas impostas pelos EUA ao aço e alumínio da Turquia acabaram levando essa moeda a atingir em agosto seu menor valor histórico frente ao dólar. Isso, para um país com um forte endividamento em dólares e um preocupante déficit em conta corrente, é o início de um complicado círculo vicioso. E a lira não é a única divisa emergente que perde força. O epicentro da crise está em Ancara, mas as reverberações chegam ao Brasil, Argentina, África do Sul, Rússia e Índia.

Desde o começo do ano, a lira turca perdeu quase 40% de seu valor. Só em agosto, a queda acumulada com relação ao dólar supera 20%, depois de vários desabamentos abruptos. Na Argentina, a queda do peso foi mais gradual, com uma desvalorização de 11% este mês, mas com um resultado quase igual: pouco mais de 40% desde o começo do ano. O rublo russo retornou à fragilidade de 2016. O real brasileiro tocou seu menor valor em mais de dois anos (com uma depreciação de quase 20% no ano). E a rupia indiana está desde maio em seu mínimo histórico, após uma baixa de quase 9% desde janeiro.
A tempestade parece ter se instalado sobre muitas divisas emergentes. Outra vez. Os motivos que levaram a esta situação não são exatamente os mesmos. Em alguns casos, a incerteza política atrapalhou. Em outros, pesa a dependência em relação às matérias primas e/ou à China. Mas a política monetária dos Estados Unidos é um catalisador para os problemas da maioria. Porque, de forma cíclica, cada vez que o Federal Reserve (banco central) toma um caminho de alta dos juros, o dólar se reforça, e os mercados emergentes se ressentem.
O golpe é mais forte se além disso, como agora, as tensões ocorrem após um período de forte endividamento dessas economias, majoritariamente em moeda estrangeira. Daí que as divisas mais castigadas sejam aquelas com maior vulnerabilidade externa: Turquia (com um déficit em conta corrente de 5,5% do PIB), Argentina (4,3%) e África do Sul (endividamento de 50% do PIB).
“Nos anos de bonança, os mercados onde os investidores se sentem seguros estão mais dispostos a assumir certos riscos em troca de maiores rentabilidades. Então seu interesse pelos emergentes cresce. Ao mesmo tempo, durante essas etapas esses países viram uma oportunidade e se endividaram em dólares. O problema é que, quando o ciclo acaba e suas divisas se depreciam, não conseguem pagar essas dívidas contraídas em dólares. É nesse ponto que estão a Turquia e a Argentina, com dívidas corporativas muito fortes em divisa estrangeira”, explica Ignacio de la Torre, sócio de Banco de Investimento da consultoria Arcano. Esse analista acredita que os dois países se colocaram em círculos viciosos muito difíceis de romper. Quando as dívidas em dólares se tornam impagáveis, as empresas quebram, os balanços dos bancos se ressentem, o investimento estrangeiro se contrai mais... E a bola de neve cresce. Nestes casos, a única solução costuma passar pelo socorro do FMI.
A queda quase sincronizada das divisas emergentes despertou os temores de uma repetição das piores crises, como a que sacudiu o Sudeste Asiático, a Rússia e a América Latina entre 1997 e 1998. Certo contágio, aliás, já ocorreu: segundo os dados do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), depois do desabamento da lira turca a fuga de capitais se acelerou neste mês na África do Sul e na China. Mas, como diriam os economistas Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, desta vez é diferente.
Os investidores parecem distinguir entre as divisas prejudicadas pela deterioração de seus fundamentos econômicos e aquelas afetadas por questões de política interna, como o Brasil e a Índia. Na Índia, a rupia está em seu valor mínimo, mas sua dívida não é preocupante e não se preveem problemas no sistema bancário. Seu problema está mais vinculado ao forte déficit em conta corrente. Precisa de investimentos estrangeiros, e alguns deles estão se estão retraindo, porque o grau de implementação dos planos de modernização do Governo de Narendra Modi não está sendo tão rápido e profundo como se esperava.
No caso do Brasil, o real voltou ao nível de 2016, no período que antecedeu o impeachment de Dilma Rousseff. O motivo disso é a incerteza eleitoral, com uma competição muito acirrada no primeiro turno da eleição presidencial, em 7 de outubro. Além disso, nenhum dos candidatos detalhou seu programa de reformas nem de ajustes necessários para uma economia com um crescimento fraco e dívida pública elevada. E isso desanima os investidores. Entretanto, o Brasil não acumula muito déficit em conta corrente, graças a sua força exportadora nas matérias primas. E a dívida em dólares é mais ou menos limitada.

Tensões comerciais

Isso não significa que os emergentes não tenham motivos para preocupação, especialmente diante de uma escalada das tensões comerciais. Como recordam os economistas do ING, os produtores de matérias primas podem ser duramente golpeados pelo novo pacote tarifário anunciado na guerra comercial entre China e EUA.
A nova política externa norte-americana, que tem nas sanções econômicas sua principal arma – como aconteceu com a Turquia, Rússia, Irã e China –, torna as economias emergentes especialmente vulneráveis. A África do Sul é o exemplo mais recente. Um tuíte do presidente Donald Trump criticando as expropriações de terras cultiváveis sem indenização aos proprietários enfraqueceu ainda mais o rand, dado o temor de represálias econômicas.
Na Rússia, as sanções internacionais empurram o rublo para baixo. A última rodada tarifária aplicada pelos EUA levou a moeda russa a ser negociada a 69,01 unidades por dólar, um nível que não alcançava desde 5 de abril de 2016. E a política externa do presidente Vladimir Putin desperta mais temores, já que o Reino Unido pede mais dureza por parte da União Europeia, o que leva os analistas a preverem que a tendência de baixa do rublo se manterá.

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