Pouco se aprendeu com a crise de 2008



Lembro-me do dia 15 de setembro de 2008 como se fosse hoje. Era uma segunda-feira. No fim de semana, o então secretário americano do Tesouro, Henry Paulson, o presidente do Fed, Ben Bernanke, e grandes nomes de Wall Street haviam tentado em vão encontrar um comprador para o banco Lehman Brothers, à beira da falência.

A instituição se viu obrigada a entrar em processo de falência e deixou uma dívida de 600 bilhões de dólares. Cerca de 25 mil funcionários ficaram sem emprego, e milhões de pessoas perderam grande parte de seu patrimônio quando bolsas de valores no mundo todo despencaram.
Como se um curto-circuito tivesse causado uma queda total no fornecimento de energia, a economia mundial, de uma hora para a outra, perdeu seu motor. O que se seguiu foi a recessão mais profunda do pós-Guerra. A produção diminuiu mais de 2% em todo o mundo, e o comércio mundial chegou a cair mais de 10%. A estatização de bancos, a socialização de perdas privadas e as impressoras de dinheiro de bancos centrais de todo o mundo conseguiram evitar uma situação ainda pior.
O dia 15 de setembro também ficou na minha memória porque ele destruiu de forma brutal uma teoria econômica na qual eu acreditava piamente. Nos meus estudos na Universidade de Berna, na Suíça, tive o privilégio de aprender com Jürg Niehans, Karl Brunner e Ernst Baltenperger, três dos melhores e mais inteligentes teóricos monetários desta era.
Eles me convenceram dos fundamentos do monetarismo. Estes afirmam que um crescimento do dinheiro circulante maior que o crescimento do volume de bens, mantida a velocidade de circulação da moeda, leva necessariamente a um aumento de preços, porque os bens se tornam mais escassos em relação ao dinheiro e, portanto, mais caros.
Mas, apesar de bancos centrais em todo o mundo inundarem os mercados financeiros de dinheiro, com efeitos que duram até hoje, não houve e não há inflação – apesar de um volume de dinheiro que cresceu mais do que o volume de bens. Pelo jeito, uma lei fundamental da economia não vale mais desde a crise financeira: um volume de dinheiro que cresce mais rapidamente que a oferta de bens é, no máximo, um requisito, mas não um imperativo para a inflação.
Por outro lado, os preços de valores patrimoniais, como ações e imóveis, e com isso também de aluguéis de residências, subiram, tornando bem mais caro o cotidiano de parcelas menos favorecidas da população. Isso, por sua vez, levou a um debate acirrado sobre como, afinal, se mede inflação: abordagens hedônicas, que contemplam o efeito de uma possível elevação da qualidade nos preços de produtos, são medidas mais apropriadas? Ou deve-se considerar apenas a inflação básica, que tenta eliminar as variações sazonais nos preços de produtos e matérias-primas? Ou o que interessa são os preços de patrimônio, que refletem variações nas bolsas de valores ou nos preços de imóveis? Também aqui a crise financeira criou novas perguntas, que ainda necessitam ser respondidas.
Como se o fim do monetarismo não bastasse, eu ainda tive que me despedir de um segundo dogma da ciência econômica, pois, nos anos anteriores à crise, as descobertas de Prêmios Nobeis de Economia dos EUA me convenceram de que a eficiência é a regra, e a falha de mercado é a exceção nos mercados financeiros. A desregulamentação dos mercados financeiros, na virada do milênio, se fundamentava justamente nesta "hipótese do mercado eficiente": índices de bolsas de valores sempre refletem, de forma racional e correta, todas as informações disponíveis. Informações novas levam a um ajuste imediato.
A crise dos mercados financeiros desmascarou a hipótese do mercado eficiente como uma fantasia teórica sem qualquer sustentação empírica. Expectativas sobre as expectativas dos outros atores impulsionaram o comportamento nos mercados financeiros. A consequência disso foi um tendência iminente ao comportamento de manada e a profecias autorrealizáveis: se os atores de mercado esperam uma elevação do preço, isso estimula os investidores a apostarem na alta do preço. Com isso, o preço de fato sobe, e a expectativa inicial aparentemente se cumpre. Isso, por sua vez, estimula outros especuladores a entrarem nesse jogo. Quando todos os atores acreditam no modelo falso, esse aparentemente se torna, num primeiro momento, "verdadeiro". Na realidade, porém, trata-se de uma dança das cadeiras que termina de forma abrupta quando alguns investidores vendem e faturam, outros deixam de acreditar numa nova elevação do preço e o desespero para vender faz com que a bolha exploda.
A crise dos mercados financeiros escancarou o quanto o interesse próprio e o egoísmo de diretores de bancos, investidores das bolsas de valores, agências de classificação de risco e instituições financeiras contribuíram para a falha de toda a economia. Algoritmos das negociações de alta frequência não dão a mínima bola para a realidade. A única coisa que lhes interessa são índices de bolsas de valores, que eles mesmo calcularam alguns nanossegundos antes. Livres de todos os dados macroeconômicos fundamentais, especuladores manipulam os mercados de bens, de trabalho e de capitais como se fossem marionetes. Os mercados financeiros, em vez de serem o óleo da economia real e de garantirem que as transações de mercado transcorram sem problemas, se tornam os agentes aceleradores e desencadeiam focos de incêndio macroeconômicos em setores da economia mundial.
Não só William White, o antigo economista-chefe do Banco de Compensações Internacionais, é da opinião de que a política econômica e a ciência econômica aprenderam pouco ou nada com a quebra do Lehman, nos últimos dez anos. O que significa que uma quebra ainda maior do que a de setembro de 2008 pode acontecer. Muitas coisas indicam que a situação de hoje não é mais estável ou mais resistente a crises do que há dez anos.
As diferenças entre a teoria e a prática continuam enormes quando se trata de analisar de forma exata o alcance disruptivo da crise financeira. Economistas continuam usando ideologias ultrapassadas para tentar entender e explicar novas realidades. Dinâmicas próprias, interesses próprios e convicções falsas continuam ameaçando e dificultando uma colaboração mútua e eficiente entre os mercados financeiros e a economia real. A nova era econômica ainda não provocou uma mudança de espírito – nem na economia, nem na ciência econômica

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Thomas Straubhaar
DW

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