Guia lúdico para manter a sanidade no Brasil



Pisava em legos, distraído, sem saber que a ventura dessa vida, é tentar uma dose diária de brincante alienação.

Óbvio que sigo atento, não sei se tão forte, mesmo sertanejo, mas as pílulas velozes da realidade deprimem como se fossem cachetes de tarja preta ao avesso.
Quem lê tanta #hashtag, quem acompanha tanta fake news... E o sol na banca de revistas, seu Caetano Emanuel Viana Teles Veloso, reluz nas quinquilharias e derrete o Kinder ovo das novas surpresinhas.
Piso em legos, distraído, e tudo que quero saber o “Show da Luna” me ensina. O importante é que Irene ria e este avohai -avó & pai- mantenha a sanidade mínima para aguentar o trabalho e os dias. É o que recomenda o meu compadre Hesíodo, um greco-cratense, naturalmente, e o seu manual solar de sobrevivência.
Pisar em legos é a melhor das terapias, mesmo que os grandes especialistas no assunto ressaltem que seja deveras uma dor equivalente a “tomar um tiro no pé com uma bala cheia de veneno de formiga”. A definição é do britânico Simon Whistler, do canal do Youtube “Today I Found Out”. Pesquei numa matéria da revista “Crescer”, pois, pois. Que dói, dói, mas, como me conforta o próprio Whistler, esse é apenas um dos perigos de “deixar uma criança existir na sua casa”.
A dor é maior por causa das infinitas terminações nervosas da planta do pé. Essa não sei se aprendi com a Luna ou com o youtuber britânico. Você sabia, menina Irene, que um inocente bloquinho de lego pode suportar até 432 quilos? Eu chego lá, como me anima o cozinheiro da Casa do Norte da Barra Funda, a melhor mocofava de SP. Apocalípticos pizzaiolos da Pompeia, uní-vos, conto também convosco nesta montessoriana missão educativa.
Pisava em legos, distraído, pois bem sei que não adianta tentar encaixar as peças das últimas notícias. Muito menos compreender o show dos fanáticos em um momento do Brasil cronicamente inviável. Nada se encaixa, como no eterno antilego de um 7x1 que não dá jogo.
Pisar em legos, distraído, para não se queimar nas brasas mais ridículas da história, como essa escolinha do MEC que rasgou a página do golpe.
Ah, melhor levar Irene para ver o “Sarau supersônico” do palhaço Adão (o Federal) e a sua brava companhia de traquinagens. Repare na cena: em solene marcha à ré, a trupe adentrou o picadeiro do Parque da Água Branca, na véspera do dia da mentira, cantarolando uma canção patriótica feita em louvor à Ditadura, mais precisamente um hino do conjunto “Os Incríveis”:
“Este é um país que vai pra frente ô, ô, ô, ô/
De uma gente amiga e tão contente ô, ô, ô, ô”.
Juro que este cronista envelhecido em barris de aroeira ficou um tanto quanto melancólico. Passou logo, diante da festa zoeira das crianças e da revolução dos bichos da área: o “quém, quém” da patolândia, o “tô fraco, tô fraco” das galinhas d´angola e a cantiga da perua ao ritmo do forró de Jackson do Pandeiro: “É de pió a pió/ É de pió a pió/”.
De música em música, de fábula em fábula, fechamos com a palhaça Rubra e o seu mantra ao infinitum: “Eleva o tórax, ela o tórax, eleva o tórax...”


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Xico Sá
El País

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