‘Teodora do prostíbulo’, a mulher por quem um imperador mudou a lei do Império Bizantino



Justiniano é bastante conhecido na esfera jurídica desde que foi imperador do Império Bizantino no século 6.

A fama se deve a seu impressionante legado: a compilação do direito romano na obra Corpus Juris Civilis, que ainda é a base do direito civil de muitos Estados modernos.
Não é de se espantar que haja várias publicações sobre esse período e sobre Justiniano, muitas vezes chamado de "o último dos romanos".
O curioso é que quase nada foi escrito sobre sua esposa, Teodora, não só porque ela reinou ao lado dele, algo incomum na época, mas porque viveram um daqueles romances que marcaram a história.
A imagem que temos dela foi descrita no controverso livro História Secreta, de autoria de Procópio de Cesareia, secretário pessoal de um dos grandes generais de Justiniano, Belisário.
A obra, que o autor não se atreveu a publicar enquanto os protagonistas estavam vivos, é um ataque violento a Belisário, sua mulher, Antonina, e seus amigos Teodora e Justiniano.
Foi Procópio quem inventou o apelido "Teodora do prostíbulo" com a intenção de insultá-la.
João de Éfeso, historiador e líder da Igreja Ortodoxa Oriental no século 6, também chegou a afirmar que ela "vinha de um bordel".
Mas como um imperador e uma cortesã acabaram juntos?

Ele

Petrus Sabbatius nasceu em uma pequena aldeia por volta do ano 482 d.C. no seio de uma família humilde. Se não fosse por seu tio Justino, que o adotou, ele teria sido agricultor.
Justino havia sido promovido a comandante dos excubitores - unidade militar que atuou como guarda imperial e cujos comandantes tinham grande poder durante o século 6 - na capital do império, Constantinopla (atual Istambul).
Seu sobrinho, que adotou o nome de Justiniano, se beneficiou da educação que recebeu e da experiência de frequentar a corte do imperador Anastácio I.
Quando Anastácio I morreu sem deixar herdeiros, Justino foi coroado como novo imperador de Roma em Constantinopla - uma decisão que historiadores contemporâneos acreditam ter sido orquestrada por ninguém menos que seu astuto sobrinho.
A essa altura, Justino já tinha cerca de 65 anos e, durante parte de seu reinado, foi senil.
Justiniano estava o tempo todo ao seu lado, ocupando altos cargos no governo.
Foi então que ele conheceu Teodora.

Ela

Teodora nasceu aproximadamente no ano 495 d.C. em Constantinopla.
Seu pai era adestrador de ursos no Hipódromo de Constantinopla - centro esportivo, social e cultural da capital do Império Bizantino - e morreu quando ela tinha 5 anos.
Sua mãe, uma artista de teatro, se casou novamente e arrumou para o novo marido o mesmo emprego do pai de Teodora.
Em seguida, ensinou às filhas os movimentos de braço e os gestos silenciosos que eram consagrados pela plateia de teatro da época, e as levou para se apresentarem no hipódromo.
Teodora virou atriz, dançarina, mímica e comediante. Aos 15 anos, era a estrela do hipódromo.
Ela também se tornou, como muitas atrizes da época, prostituta.
Aos 18 anos, largou tudo para ficar com o governador da atual Líbia.
Pouco depois, eles se separaram e, ao voltar para Constantinopla, Teodora se juntou a uma comunidade ascética no deserto, perto de Alexandria.
A experiência fez dela uma devota do monofisismo, vertente do cristianismo que acredita que Jesus é totalmente divino - e não divino e humano como sustenta a Igreja Ortodoxa e a Igreja Católica.
Como consequência, ela renunciou oficialmente a sua vida como atriz e, quando voltou à capital do império, foi morar perto do palácio para ser tecelã.
Ela tinha 21 anos, e foi então que conheceu Justiniano.

Eles

Ela era linda, segura de si e com a língua afiada. Já ele era reservado, avesso a sorrisos e não tão bonito.
No entanto, "ele se dedicou a ela, havia uma confiança mútua absoluta", escreveu o historiador Robert Browning, autor do livro Justiniano e Teodora.
O problema era legal: naquela época era proibido um funcionário do governo se casar com uma atriz, profissão que era sinônimo de prostituta, mesmo que ela fosse "reformada".
Embora Justiniano tivesse poder e grande influência sobre o tio, a imperatriz Eufemia, sua tia, se recusou a aceitar o casamento - dizem que ela se via refletida em Teodora, porque seu passado também era "vergonhoso".
No entanto, logo após a morte de Eufemia, Justino concordou em mudar a lei. Eles se casaram no ano 525 d.C.
Dois anos depois, no mesmo hipódromo em que Teodora entretinha a multidão, o casal foi coroado.
O filho de camponês e a atriz se tornaram imperador e imperatriz do Império Bizantino - ou Romano, como chamava na época -, que se prolongaria por mil anos.

Juntos

Nessa espetacular ascensão ao poder, Teodora não foi apenas uma figurante.
O casal era conhecido por governar de igual para igual: ela era de fato uma corregente.
E ele usou esse poder para criar uma narrativa completamente nova, na qual o gênero e a classe tinham um papel menor do que a ambição e a capacidade.
Juntos, eles criaram um legado duradouro, moldando o conceito do Estado ocidental moderno, o poder da Igreja Ortodoxa Oriental e as bases do direito europeu.
Justiniano ordenou uma completa compilação e modernização do direito romano, conhecido como Codex, de modo que, como diz o documento, "a majestade imperial (...) não apenas está honrada com as armas, mas também fortalecida pelas leis, de modo que em tempos, tanto de guerras quanto de paz, possa ser bem governada, e o princípio romano sobreviva, não só em batalhas com inimigos (...)".
As seções que se referem às mulheres revelam a influência de Teodora, particularmente quando se trata de seu status legal.
Mas é nas leis que surgiram depois da criação do Codex que sua presença se faz ainda mais evidente.

Ela, imperatriz

Para Teodora, a prostituição era uma questão de justiça social, em vez de um problema moral pessoal - ela abordou o papel da desigualdade econômica na adoção dessa ocupação.
E atuou em prol dos direitos das prostitutas fechando bordéis, criando abrigos e aprovando leis para proibir a prostituição forçada.
As leis também foram ferramenta para elevar o papel das mulheres na sociedade de uma forma mais ampla. Ampliando, por exemplo, seus direitos em caso de divórcio, concedendo direito à propriedade e instituindo a pena de morte em caso de estupro.
Ao mesmo tempo, também aboliu uma lei que permitia que as mulheres fossem mortas por cometer adultério.
Mesmo após sua morte, o status das mulheres no Império Bizantino era considerado muito superior ao das mulheres no Oriente Médio e na Europa.
A imperatriz também se empenhou em proteger os monofisitas perseguidos, construindo casas de culto que serviam como abrigos.

Eles, regentes

Teodora e Justiniano viveram em uma época de grandes mudanças, às vezes atormentada por confrontos religiosos e políticos.
O episódio mais significativo foi a Revolta de Nika, que começou com uma corrida de cavalos no hipódromo e rapidamente se tornou, aos olhos de seus oponentes, uma oportunidade de derrubar Justiniano.
Quando o imperador e seus oficiais se preparavam para fugir, Teodora proferiu um discurso que, segundo os historiadores, salvou o império de Justiniano.
"Para um rei, a morte é preferível à deposição ou ao exílio", dizia sua mensagem.
Justiniano enviou então suas tropas para atacar o hipódromo. Para conseguir a vitória, mataram mais de 30 mil rebeldes.
A revolta destruiu grande parte de Constantinopla, mas o casal se pôs a reconstruir a capital do império, transformando a cidade naquela que durante tantos séculos foi considerada uma das mais maravilhosas do mundo.
Eles construíram aquedutos, pontes e mais de 25 igrejas, incluindo a Basílica de Santa Sofia, a "Igreja da Santa Sabedoria", que foi a maior igreja da época e um dos principais ícones da arquitetura bizantina.
Teodora morreu em 548, aos 48 anos, e Justiniano viveu até 565.
Dizem que ele sofreu profundamente em seu funeral.


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