Com a paralisia da economia brasileira, Marcelo Matos viu o movimento do seu pet shop diminuir nos últimos meses. Os clientes da loja localizada em Higienópolis, na região central da capital paulista, começaram a frear os gastos com os animais de estimação, e a procura por serviços de banho e tosa está cada vez mais espaçada. "Alguns donos que traziam o cachorro uma vez por semana passaram a vir a cada quinze dias.
Sócio e gestor de um bar na Vila Mariana, na zona Sul de São Paulo, Valter Luiz Sanches, também vem sentindo uma queda na frequência do seu estabelecimento. "Começamos o ano otimistas com a mudança de Governo, mas não está surtindo muito efeito. Está todo mundo diminuindo os custos e a primeira coisa que as pessoas pensam em cortar são as saídas e alimentação fora de casa", explica. No balanço do primeiro semestre do ano, Sanches não perdeu nem ganhou muito no faturamento. Alguns meses foram bons e outros horríveis."Pelo menos o ticket médio de gasto não caiu", diz. Para driblar as contas, o empresário resolveu, no entanto, cortar o número de funcionários e contratar uma consultoria para repaginar o cardápio e criar alternativas para atrair clientes. Criou promoções de happy hour e inseriu uma carta de drinks autorais.
Vale tudo para reduzir os gastos em tempos de vacas magras.
Os produtos com a marca própria dos varejistas – tintas Leroy Merlin,
ou os alimentos Qualitá e Taeq, do Grupo Pão de Açúcar, por exemplo –,
vendidos a preços ao menos 20% mais baixos que a concorrência, estão
ganhando espaço no carrinho do supermercado, nas farmácias e nas lojas
de material de construção. “São itens que começam a crescer em momentos
de insegurança política e econômica”, diz Neide Montesano, presidente da
Associação Brasileira de Marcas Próprias e Terceirização (Abmapro). “Os
produtos com marca própria nunca tiveram tanta importância no Brasil
como nos últimos dois anos”, comenta Montesano, que calcula um
crescimento de 10% nas vendas do setor desde julho do ano passado.
“Infelizmente, crescemos com a crise do país”, conclui.
A expectativa da retração do Produto Interno Bruto (PIB)
brasileiro no primeiro trimestre - que será divulgado nesta
quinta-feira- apenas confirma o que a população vem sentindo na vida
prática: a atividade econômica brasileira está paralisada. E enquanto a
retomada não deslancha, o nível do desemprego continua alto- atingindo mais de 13 milhões de brasileiros-
e as famílias freiam o consumo. A Intenção de Consumo das Famílias,
apurada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e
Turismo (CNC), registrou, em maio, queda de 1,7% em relação ao mês
passado, a terceira seguida. A estagnação no comércio, que avançou
apenas 0,3% no primeiro trimestre em relação ao período anterior, também
já traz consequências: depois de um ano e meio, o país voltou a fechar
mais lojas do que abrir. Tanto em shoppings como nas ruas de São Paulo,
os fechamentos já são visíveis. Entre janeiro e março, o saldo foi de 39
estabelecimentos que encerraram a atividade.
O número que parece pequeno é, no entanto, um termômetro
realista da trajetória da economia brasileira nos primeiros três meses
do ano e mostra uma mudança de rota, segundo o economista Fabio Bentes,
da CNC. "No último trimestre do ano passado, houve um período de muito
otimismo com o desenrolar das eleições. Foram abertos quase 5 mil
estabelecimentos comerciais. Havia uma expectativa de que aconteceria um
choque que aceleraria a retomada,mas que não se confirmou.
Apesar do índice de confiança dos empresários com a economia continuar
alto, o fechamento das lojas é um indicador mais real", explico.
Ainda que, em abril, o Brasil tenha registrado quase 130
mil novos postos formais de trabalho, o economista ressalta que os dados
do emprego no varejo não tiveram uma boa performance. Foram fechadas
101 mil vagas nos primeiros três meses do ano, um aumento de 20% de
cortes em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram
encerradas 84 mil vagas. "O que está por trás dessa deterioração do
setor é um desemprego crescendo acima do esperado neste ano, a inflação
também mais alta e contaminada principalmente pelo aumento do preço dos
alimentos. Por ser um produto de primeira necessidade, se ele sobe, os
bens duráveis e serviços mais supérfluos são sacrificados", afirma
Bentes. Na avaliação do economista, a dificuldade de articulação
política do Governo de Jair Bolsonaro empacou os planos de reformas, como a da Previdência, e devolveu aos empresários e consumidores um sentimento de cautela.
Alguns economistas, como o desenvolvimentista José Luis Oreiro, professor da UNB, já acreditam que o país tem grande chances de entrar em uma recessão técnica-
dois trimestres seguidos de retração - no segundo trimestre deste ano.
Outros, como o economista-chefe do Itaú, Mário Mesquita, também se
questionam sobre o próximo trimestre, mas ainda acreditam num ligeiro
crescimento de maio a junho deste ano. O Itaú projeta um avanço de 0,1%
na atividade do período, mas ressalta que os dados ainda são bastante
preliminares.
Nesta semana, o mercado financeiro reduziu pela
13ª vez seguida a estimativa de crescimento da economia brasileira para
este ano. A mediana das projeções das instituições financeiras para o PIB
foi reduzida de 1,24% para 1,23%, segundo pesquisa Focus divulgada pelo
Banco Central. Para 2020, a projeção foi mantida em 2,5%. Enquanto as
reformas não saem do papel e os indicadores econômicos não avançam
muito, o país continua em compasso de espera.conteúdo
Heloísa Mendonça
São Paulo
El País
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