Em um fim de semana recente, ao sair de casa para correr no Parque Ibirapuera, em São Paulo, minha mulher questionou a escolha da minha camisa – da seleção brasileira. "Vão achar que você é bolsominion", alertou e me lembrou das manifestações pró-governo previstas para o dia seguinte na Avenida Paulista.
Isso faz parte de uma estratégia sofisticada, pois permite uma suposta divisão da população entre patriotas de um lado e inimigos da pátria de outro.
Na Finlândia,
 por exemplo, usar uma camisa estampada com o símbolo nacional – o leão e
 a cruz – era comum no passado, mas seu uso hoje está fortemente 
associado a grupos xenófobos.
 Incomodada com o controle da extrema direita sobre o símbolo, uma 
agência finlandesa de design chegou a pedir, poucos anos atrás, 
sugestões para criar símbolos alternativos, que cidadãos moderados 
poderiam usar sem ser confundidos com radicais da direita. "Grupos 
extremistas sequestraram símbolos nacionais, fizeram do nacionalismo uma
 palavra suja e basicamente roubaram o direito de todos nós nos 
orgulharmos de nosso país", explicou Karri Knuuttila, um dos principais 
membros da iniciativa, à época.
Nos Estados Unidos, o presidente Trump tem sistematicamente tentado se apropriar da bandeira nacional, alegando (incorretamente) que seus adversários evitavam usá-la em eventos – e que, portanto, não seriam patriotas.
Na Alemanha, o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD)
 costuma assegurar que todos os seus manifestantes portem a bandeira 
alemã e acusa os demais partidos de sentirem vergonha dos símbolos 
nacionais. Um vídeo em que a premiê Angela Merkel
 tira uma pequena bandeira alemã do palco durante a celebração da sua 
vitória nas urnas em 2013 viralizou entre grupos da extrema direita e é 
até hoje mencionado por líderes do partido extremista como prova de que 
Merkel seria "anti-alemã". O movimento alemão xenófobo e nacionalista 
chamado Pegida, aliado ao AfD, adota o slogan "patriotismo não é crime",
 alegando que as elites cosmopolitas envergonham-se de qualquer símbolo 
nacional.
Em resposta, porém, moderados em muitos países caíram
 na armadilha dos radicais e cederam o uso dos símbolos nacionais aos 
extremistas – e, com isso, abriram mão do debate sobre patriotismo. 
Durante a última Copa do Mundo de futebol masculino,
 a ala jovem do Partido Verde alemão chegou a pedir que os torcedores 
não usassem a bandeira alemã durante os jogos – em grande parte uma 
resposta às marchas da AfD e do movimento Pegida. Quando milhares de 
alemães encheram as ruas de Berlim em 2018 para protestar contra a 
ascensão da extrema direita, a organizadora da manifestação, Theresa 
Hartmann, sugeriu aos participantes usarem bandeiras com o arco-íris e 
cartazes com os dizeres "Refugiados são bem-vindos", mas pediu que os 
manifestantes não usassem a bandeira alemã,
 pois ela teria "uma conotação de direita". Segundo ela, não se tratava 
de uma manifestação para demonstrar orgulho nacional. Sem querer, ela 
deu munição à narrativa dos radicais de que os progressistas não gostam 
de usar a bandeira porque não sentem orgulho do país.
O que Hartmann não entendeu é que não há contradição 
entre, de um lado, manifestar-se a favor da tolerância e dar as boas 
vindas a refugiados
 (pilares da Constituição alemã) e, de outro, sentir orgulho nacional. 
São episódios como esse que facilitam o trabalho da extrema direita, a 
qual busca estabelecer uma falsa dicotomia entre cidadãos "verdadeiros" e
 aqueles menos comprometidos com a nação. Na Finlândia, em vez de 
investir em símbolos alternativos com pouca chance de ampla aceitação, 
moderados deveriam buscar resgatar dos grupos xenófobos os símbolos 
nacionais.
Não se trata, é claro, de competir com os 
extremistas sobre quem mais abraça os símbolos da pátria, como nos EUA, 
onde a decisão de não usar um pin com a bandeira americana no paletó 
levou críticos do então candidato a presidente Barack Obama
 a questionarem sua lealdade à nação. Porém, em um momento em que 
movimentos nacionalistas surgem com força ao redor do mundo -- em parte 
devido a temores sobre o impacto da globalização
 –, os segmentos moderados da sociedade não deveriam se afastar dos 
símbolos da pátria nem se retirar do debate sobre o papel da identidade 
nacional e do patriotismo hoje. Tachar qualquer tipo de patriotismo de 
ufanismo retrógrado e contrastá-lo com o pensamento moderno e 
cosmopolita é contraproducente, pois não reconhece que a onda 
nacionalista veio para ficar. Com as turbulências resultantes do confronto comercial entre Washington e Pequim,
 o avanço tecnológico que tornará milhões de empregos supérfluos, as 
catástrofes ambientais e os fluxos migratórios de dimensões sem 
precedentes, apelar ao nacionalismo será uma tentação irresistível para 
muitos líderes políticos oportunistas.
Em vez de negar essa realidade e permitir que 
nacionalistas radicais possam definir o que é patriotismo ou identidade 
nacional, é preciso envolver correntes moderadas nos debates sobre o 
tema e ajudar a mostrar que um 'patriotismo razoável', para usar um termo
 do filósofo William Galston, pode ser positivo e é perfeitamente 
compatível com conceitos cosmopolitas, como estar a favor da cooperação 
internacional para lidar com desafios globais, apoiar a integração 
regional, combater a xenofobia, ser a favor da diversidade e reconhecer e
 respeitar a pluralidade de opiniões no processo político.
Ainda que um pouco apreensivo, acabei portando minha camiseta da seleção brasileira naquele sábado no Parque Ibirapuera.
conteúdo
Oliver Stuenkel
El País

 
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