O escândalo causado pela divulgação de diálogos entre Procuradores da República membros da força tarefa da Lava Jato e o juiz de direito que atuava no caso deve gerar inúmeros desdobramentos jurídicos e políticos aos citados e envolvidos. Mas, quaisquer que sejam esses resultados, é importante que finquemos uma barreira instransponível nessa discussão: os jornalistas autores do #VazaJato estão protegidos pelas prerrogativas profissionais, constitucionais e internacionais que garantem e protegem o trabalho realizado, especialmente no que toca à(s) fonte(s) do material divulgado.
Chama a atenção que alguns setores da sociedade flertem com a (perigosa) ideia de responsabilizar os próprios jornalistas pelo “vazamento” ou compartilhamento das conversas citadas. É preciso reafirmar que sob a ótica das garantias inerentes à atividade jornalística, pouco importa quem ou como as conversas foram obtidas pela fonte, e sim se aquelas informações possuem aparência de veracidade e são de interesse jornalístico/público. Quem faz essa avaliação? O próprio jornalista.
Essa prerrogativa é um dos pilares das democracias
modernas, tendo sido positivado inclusive na Declaração Universal dos
Direitos do Homem, de 1948, que assegura a liberdade de procurar,
receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e
independentemente de fronteiras. Não é à toa que o legislador
constituinte brasileiro, pós ditadura militar, houve por bem positivar
de modo expresso e inequívoco essa garantia aos profissionais da
imprensa no rol dos direitos e garantias fundamentais dispostos no
artigo 5º da Constituição Federal, considerado o “núcleo duro” dos
direitos do texto constitucional. O inciso XIV desse artigo assegura a
todos o acesso à informação e o sigilo da fonte, quando necessário ao
sigilo profissional. Vale destacar, também, que o Código de Processo
Penal brasileiro reflete e protege essa mesma garantia, chegando a
proibir de depor como testemunha em processos judiciais as pessoas que,
em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar
segredo (art. 207).
Essa garantia inequívoca não pode ser descolada do
jornalismo e é justamente através dela que se estabelece não só a
própria atividade da imprensa como também a possibilidade de que os
cidadãos e cidadãs possam formar suas opiniões e tomar decisões de
maneira livre e consciente. É a garantia do sigilo da fonte, em outras
palavras, que edifica uma sociedade que se quer democrática.
Em sentido oposto, qualquer tentativa de imputar aos
jornalistas do portal jornalístico The Intercept a prática de algum
delito é que pode, sob a ótica do direito penal, se consumar, aí sim, em
crime. Explica-se: é que dar causa à instauração de investigação
policial ou de processo judicial contra alguém, imputando-lhe crime de
que o sabe inocente, é uma conduta tipificada como denunciação caluniosa
- e que pode gerar uma pena de reclusão de até 8 anos. Se, por sua vez,
essa denúncia vier formalizada por uma autoridade pública, o Judiciário
pode classificá-la como abuso de autoridade, já que perpetrado contra
direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional - e a
sanção pode ser a perda do cargo do denunciante (Lei Federal n.º
4898/65).
Em suma, o jornalista não é autoridade policial e muito
menos bedel de conduta alheia. A ele cabe o mister de, em tendo
conhecimento de uma informação que julga de interesse público,
divulgá-la. Doa a quem doer.
conteúdo
Rafael Custódio
El País
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