Lula livre, mas não para ser candidato. Entenda a situação legal dele



O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi solto após 580 dias na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, como consequência da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de mudar sua interpretação que mantinha 2016 sobre o cumprimento de pena de condenados após condenação em segunda instância. Mas o processo que o levou à cadeia segue correndo na Justiça, além de outros seis, em diferentes cortes, e o petista continua inelegível, por conta da Lei da Ficha Limpa. Entenda o que está na jogo:

Lula foi inocentado do caso tríplex?

A decisão do STF sobre a prisão em segunda instância não tem qualquer reflexo nas decisões da Justiça comum sobre as acusações que o ex-presidente enfrenta. Afeta apenas a possibilidade de o ex-presidente responder em liberdade, mesmo após a condenação em segunda instância. Lula estava em regime fechado desde abril de 2018 na carceragem da Superintendência da Polícia Federal (PF) em Curitiba, por conta da condenação do caso do tríplex do Guarujá, pelo qual recebeu pena de 12 anos e um 1 de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, em abril de 2018. Posteriormente a pena do ex-presidente foi reduzida pelo Tribunal Superior de Justiça para 8 anos de 10 meses.

Qual a estratégia dos advogados de Lula a partir de agora?

Os advogados do ex-presidente e o próprio Lula cobram que o Supremo Tribunal Federal julgue os habeas corpus que pedem a declaração da nulidade de todo o processo que levou Lula à prisão em virtude da suspeição do ex-juiz Sergio Moro e dos procuradores da Lava Jato. O ministro Gilmar Mendes pediu vista no julgamento do recurso de Lula pedindo a suspeição de Moro. Em entrevista ao EL PAÍS, Mendes afirmou que o STF deve voltar ao tema em novembro.

Lula pode concorrer às eleições?

A lei da Ficha Limpa, como o próprio nome diz, determina que um candidato que tem a ficha suja, ou seja, que foi condenado por um colegiado (segunda instância) por crimes como corrupção e abuso de poder econômico, seja cassado e fique inelegível para cargos públicos por oito anos. Antes da lei existir, o afastamento era de apenas três anos, o que permitia o retorno do político na eleição seguinte. Em vigor desde junho de 2010, a legislação foi proposta a partir de uma iniciativa popular promovida pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que recolheu 1.604.815 assinaturas físicas e mais de 485.000 digitais para que a lei fosse aplicada. O ex-presidente Lula é ficha suja desde que foi condenado em segunda instância. A situação pode mudar se o STF decidir anular a sentença de Sérgio Moro contra ele (ver pergunta acima).

Ele pode voltar para a prisão pelo caso tríplex? Ou por implicação entre outros processos?

Mesmo  antes da decisão em segunda instância, o próprio Ministério Público já havia pedido que o presidente progredisse para regime semiaberto, caso cumprisse pagamento da multa de reparação. Por isso, é improvável, a não ser que os procuradores encontrem razões neste processo ou nos outros a que Lula responde para dizer que ele deve ficar preso preventivamente: deve ficar detido porque representa um risco para as investigações em curso ou para a "ordem pública". Esta modalidade de prisão preventiva é cercada de controvérsia na Lava Jato. Entenda aqui.

O que Lula fará após ficar livre?

Ao deixar a cadeia, Lula anunciou o desejo de fazer uma caravana pelo Brasil. Além disso pretende se casar ainda este ano com a socióloga Rosângela da Silva, que conhece há anos. Os planos são de uma cerimônia pequena, para a família e os amigos mais íntimos, em dezembro, em São Bernardo do Campo, onde ele tem residência e onde começou sua carreira como sindicalista e político, segundo entrevista dada ao jornal Brasil de Fato. Na mesma entrevista, cogitou morar no Nordeste após sair da prisão. "Quando deixei a Presidência, tinha vontade de morar no Nordeste, vontade de voltar para meu Pernambuco, vontade de morar não perto da praia, mas num lugar em que pudesse ir à praia. Pensava em ir para Bahia, Rio Grande do Norte, mas a Marisa não quis ir porque ela nasceu em São Bernardo, e o mundo dela era São Bernardo. Eu não tenho mais o que fazer em São Bernardo. Não sei para onde ir, mas quero me mudar para outro lugar", afirmou.

Quais são as demais questões judiciais do ex-presidente na Justiça?

1. Caso do tríplex do Guarujá - Condenado em terceira instância
Em março de 2018, o ex-presidente foi condenado pelo juiz Sergio Moro pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro ao ser considerado o beneficiário de 3,7 milhões de reais em propina da construtora OAS pela reforma de um tríplex do Guarujá, em São Paulo. O caso tem como base a delação do ex-diretor da OAS, Léo Pinheiro. A condenação foi endossada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (que aumentou sua pena) e pelo Superior Tribunal de Justiça (que reduziu sua pena). A defesa afirma que o Lula nunca tomou posse do imóvel.
2. Sítio de Atibaia - condenado em primeira instância
Em fevereiro de 2019, Lula foi condenado a 12 anos e 11 meses de prisão pela juíza Gabriela Hardt, que substituiu Sérgio Moro no caso, por corrupção e lavagem de dinheiro. O Ministério Público acusava o ex-presidente de ter recebido 1,02 milhão de reais através das obras do sítio feitas pelas empreiteiras Odebrecht, OAS e Schahin. Segundo a acusação, o imóvel pertencia a Lula, algo que o petista sempre negou e cuja posse atribuía a um amigo.
3. Operação Janus - absolvido da acusação de dois crimes
Em outubro de 2016, o ex-presidente virou réu em ação em que é acusado de tráfico de influência. A Operação Janus aponta que Lula atuou junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para favorecer a Odebrecht na obtenção de empréstimos para a realização de obras em Angola. Os procuradores apontam que a empreiteira pagou 30 milhões a Taiguara, sobrinho da ex-mulher de Lula. O ex-presidente foi absolvido pelo juiz federal Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília dos crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro. mas continua a responder, no mesmo processo, por corrupção passiva, tráfico de influência e lavagem de dinheiro.
4. Instituto Lula - propina da Odebrecht
Em dezembro de 2016, Lula virou réu acusado dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro em razão de supostas vantagens indevidas conseguidas por meio de contratos firmados entre a Petrobras e a empreiteira Odebrecht. Segundo os procuradores, o ex-presidente comandou uma estrutura para captar apoio parlamentar para projetos da incorporadora junto à estatal. Parte das propinas pagas, alegam, foi destinada para a compra de um terreno na zona sul de São Paulo, onde seria construída uma nova sede do Instituto Lula.
5.  Operação Zelotes - caças suecos e MP 471
Em dezembro de 2016, no âmbito da Operação Zelotes, Lula foi acusado por tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa em negociações que levaram à compra de 36 caças suecos modelo Gripen pelo Governo brasileiro e à prorrogação de incentivos fiscais destinados a montadoras de veículos por meio da Medida Provisória 627. A acusação afirma que Luiz Claudio, filho do ex-presidente, recebeu 2,5 milhões de reais no esquema. Ainda no âmbito da Zelotes, Lula também responde à acusação de corrupção passiva por ter supostamente favorecido empresas na edição da Medida Provisória 471, na qual prorrogava por cinco anos incentivos fiscais para fábricas localizadas no Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país.
6. Propina Odebrecht - empréstimo do BNDES
Em junho de 2019, a Justiça autorizou o início de mais um processo contra Lula, desta vez, por indícios de que o ex-presidente, tenha recebido propina da construtora Odebrecht em troca de favores políticos. A acusação argumenta que Lula, juntamente com os ex-ministros Antonio Palocci e Paulo Bernardo, articulou em 2010 subornos no valor de 40 milhões de dólares em troca de benefícios para a construtora brasileira no BNDES. Dentre as vantagens indevidas, estaria uma linha de crédito cedida pelo banco de fomento de 1 bilhão de dólares para Angola, cujo Governo mantinha contrato com a Odebrecht. O empresário Marcelo Odebrecht, dono da construtora, também está entre os réus desta ação.
7. “Quadrilhão do PT” - pedido de absolvição feito pelo MPF
Em setembro de 2017, o então procurador Rodrigo Janot acusou Lula de formação de uma organização criminosa para atuar no recebimento de propinas em um esquema da Petrobras, entre 2002 e 2016, que movimentou 1,4 bilhões de reais. A denúncia inicial envolvia cinco ex-ministros e a ex-presidenta Dilma Rousseff. Porém, em outubro de 2019, o Ministério Público Federal pediu a absolvição sumária dos ex-presidentes. A procuradora Marcia Brandão Zollinger, na contramão da tese de Janot, afirmou em seu pedido que não se pode “insistir numa acusação cujos elementos constitutivos do tipo penal não estão presentes”.
8. Guiné Equatorial - tráfico de influência
O ex-presidente responde por lavagem de dinheiro por ter supostamente recebimento de 1 milhão de reais do grupo brasileiro ARG, valores que foram dissimulados na forma de doação ao Instituto Lula. A propina teria como intuito usufruir do prestígio internacional de Lula juntamente ao presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, para a realização de negócios da empresa ARG naquele país.
9. Obstrução de justiça no caso Delcídio - absolvido
A primeira vez que o ex-presidente se tornou réu da Lava Jato foi a partir da denúncia de tentativa de calar o delator Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, que assinou acordo de colaboração com a Lava Jato. O filho de Cerveró, Bernardo, conseguiu gravar uma conversa sua com o então senador Delcídio do Amaral, onde uma oferta lhe é apresentada em troca do silêncio de seu pai: fuga para o exterior e uma mesada de 50.000 reais. Delcídio acabou preso e liberado depois de fazer um acordo de colaboração. Ele acusou Dilma e Lula de tentarem obstruir as investigações da Lava Jato. O ex-presidente foi absolvido desta acusação.
10. Mesada do Frei Chico - denúncia rejeitada, MPF recorreu
Aforça-tarefa da Lava Jato em São Paulo denunciou o ex-presidente Lula e seu irmão, Frei Chico, por corrupção passiva continuada. Segundo o MPF, entre 2003 e 2015, Frei Chico, sindicalista com carreira no setor do petróleo, recebeu 1,1 milhão de reais em mesada da Odebrecht, como parte de um pacote de vantagens indevidas oferecidas a Lula. A força-tarefa da Lava Jato de São Paulo recorreu da decisão.

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El País

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