Lavar as mãos com frequência, tossir na parte interna do cotovelo, manter ao menos 1,5 metro de distância das outras pessoas… Entre as recomendações que as autoridades sanitárias repetem insistentemente para conter a pandemia da Covid-19 não figura uma que, entretanto, muita gente segue: usar máscara. Talvez a confusão ocorra porque não existe um consenso mundial sobre seu uso. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a maioria dos países ocidentais a desaconselham para a maior parte da população, mas os asiáticos argumentam que esse acessório é imprescindível.
Há quem diga que não se recomenda porque, simplesmente, não há para todos. E é verdade. No início da crise, houve um excesso de demanda e uma tremenda escassez
que ainda dura em alguns centros hospitalares, onde seu uso —aí sim— é
imprescindível. O motivo de não recomendá-la, entretanto, é outro, ao
menos teoricamente. Os conselhos oficiais da OMS são usar máscara
cirúrgica, a mais simples, somente se você tiver sintomas,
já que não foram feitas para evitar que se aspire o vírus, e sim para
que as gotículas de saliva de um portador não chegue a outras pessoas.
As que têm filtro —a N95, no jargão americano, e FFP2 ou FFP3, na
terminologia europeia— evitam que o vírus entre no sistema respiratório,
mas seu uso só é recomendado para pessoas que tenham que cuidar de
doentes. Por isso são as que os médicos costumam usar.
Diante
de uma demanda crescente na opinião pública quanto ao uso generalizado
dessa proteção, a OMS voltou a recordar na semana passada que o vírus
não pode ser transmitido pelo ar e que, salvo em situações hospitalares,
é quase impossível respirá-lo, de modo que a lavagem frequente de mãos,
a etiqueta respiratória (tampar-se com o cotovelo para tossir e outras
precauções) e a distância de segurança deveriam bastar, segundo esse
organismo e as autoridades europeias e norte-americanas até agora.
Mas
a teoria dos asiáticos é outra. Sui Huang, pesquisador do Instituto
para os Sistemas de Biologia (ISB, na sigla em inglês), escrevia
recentemente que “a recomendação oficial nos Estados Unidos (e outros
países ocidentais) de que o público não deve usar máscaras foi motivada
pela necessidade das guardá-las para os trabalhadores sanitários. Não há respaldo científico para a afirmação de que ‘não são efetivas’. Pelo contrário, em vista do objetivo declarado de achatar a curva,
qualquer redução adicional, mesmo que parcial, da transmissão seria
bem-vinda, inclusive as oferecidas por máscaras cirúrgicas simples ou
por máscaras que não gerariam um problema adicional de fornecimento”.
Na
mesma linha, George Gao, chefe do Centro Chinês para o Controle e
Prevenção de Doenças, respondia na semana passada na revista Science quais eram, do seu ponto de vista, os principais erros que outros países estavam cometendo na hora de conter a pandemia:
“O grande erro nos EUA e na Europa, na minha opinião, é que as pessoas
não usam máscaras. Este vírus é transmitido por gotículas e contato
próximo. As gotas desempenham um papel muito importante: é preciso usar
máscara porque, quando você fala, sempre saem gotas de sua boca. Muitas
pessoas têm infecções assintomáticas ou pré-sintomáticas. Se usarem máscaras faciais, você pode evitar que as gotículas que transportam o vírus escapem e infectem os outros”.
Sua
teoria é que, se todo mundo usar, independentemente de estar contagiado
ou não, o risco se reduz drasticamente, porque o vírus ficará confinado
na máscara. Mas também existe uma réplica ocidental a esta afirmação.
“A maioria das pessoas não sabe usá-la bem,
usa-as mais vezes que o recomendado, toca o próprio rosto, o que pode
inclusive aumentar o risco de contágio. E se você achar que estará
invulnerável ao usar, pode ser inclusive contraproducente”, diz a este
jornal o epidemiologista Antoni Trilla, um dos assessores do Governo
espanhol na atual crise.
O que diz o Brasil
No
Brasil, o Ministério da Saúde afirma que as máscaras profissionais, em
falta no mercado, devem ser prioritariamente por profissionais de saúde e
outros na linha de frente no combate à pandemia. O ministro da Saúde,
Luiz Henrique Mandetta, tem defendido, porém, que a população fabrique
máscaras caseiras como forma de aumentar a “barreira física” contra o
vírus. Ou seja: ainda não que não sejam tão eficientes como as
profissionais, eles podem aumentar o nível de proteção se forem usadas
corretamente.
Segundo a pasta, para ser eficiente como
uma barreira física, a máscara caseira precisa seguir algumas
especificações simples: ter ao menos duas camadas de pano (ter dupla
face de tecido de algodão, tricoline, TNT ou outros tecidos), ser
desenhada e higienizada corretamente e jamais ser compartilhada. As
máscaras caseiras devem ser individuais. A máscara deve ser feita de
modo a cobrir totalmente a boca e nariz e se ajustar bem ao rosto, sem
deixar espaços nas laterais. Veja as orientações do ministério sobre como fazer uma máscara.
Alguns
estudos mostraram uma ligeira proteção das máscaras cirúrgicas quando
se trata da gripe. Para Deborah García Bello, química e divulgadora
científica, embora seja paradoxal, ambas as partes do debate têm razão:
“Onde os habitantes costumam usar máscaras quando estão doentes, sabem
usá-las. Em territórios como o meu, onde quase ninguém jamais pôs uma
máscara na vida, colocar uma acarreta mais riscos que benefícios. Sim,
você pode se contagiar por colocá-la mal”. Na sua opinião, como os
recursos são limitados, é preciso priorizar os grupos-chaves. A respeito
da comprovação científica, tuitou: “Sobre a eficácia do uso de
máscaras, sabemos que é limitada. Por outro lado, sabemos que a eficácia de manter a distância de segurança é alta. Priorizamos o que sabemos que funciona”.
O
analista de dados Scott Alexander publicou uma revisão aos estudos já
feitos sobre a eficácia das máscaras contra o vírus SARS-CoV-2. Suas
conclusões são que elas podem ser de alguma ajuda, embora advirta: “Por
favor, não compre máscaras enquanto continuarem escasseando entre os profissionais sanitários”.
E continua: “Se a escassez terminar e o uso de máscara não tiver custo,
estou de acordo com as pautas da China, Hong Kong e Japão: considere
usá-la em situações de alto risco, como o metrô ou os edifícios cheios
de gente. Não o tornará invencível, e se você correr o risco de ficar
confiante demais, mesmo que só um pouco, poderia causar mais dano que
bem. É preciso evitar ao máximo situações de alto risco como o metrô e
os edifícios cheios de gente. Mas, se tiver mesmo que entrar, o mais
provável é que uma máscara ajude”.
conteúdo
Pablo Linde
Madrid
São Paulo
El País
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