Na sexta-feira 13 de março, chegou uma mensagem de WhatsApp no celular de Nieves Cámara. Era um colega de trabalho avisando que não iria trabalhar porque estava com febre e tosse. A pandemia começava a aparecer e, segundo a madrilenha de 43 anos, “já estava com a pulga atrás da orelha”. Poucas horas depois, a empresa onde trabalha mandou os funcionários para casa e nesse mesmo dia seu isolamento começou. Para ela, ainda que não soubesse, também havia começado uma quarentena que durou dez semanas e uma enxurrada de complicações de saúde provocadas pelo coronavírus que, 100 dias depois, ainda não desapareceram.
“Na segunda-feira minha cabeça começou a doer muito, na terça chegou a tosse e tirei a temperatura, deu 37,2 graus. Na quarta liguei ao número habilitado pela Comunidade de Madri e então me colocaram em acompanhamento domiciliar. E continuo aqui, com meus sintomas que não vão embora”, diz por telefone com uma voz que se torna cada vez mais rouca com o passar dos minutos.
Seu périplo entre o centro de saúde e as Emergências dos
hospitais foi longo: foi diagnosticada com pneumonia bilateral em 5 de
abril, dia em que estava em casa. Com sete semanas uma febre leve e a
tosse continuavam e o exame PCR deu positivo. O dímero D subiu ―um
derivado da degradação da fibrina, uma proteína que cria uma rede que é a
responsável pela criação do coágulo e que deve ser rompida para poder
dissolvê-lo (o processo de fibrinólise); os níveis elevados de dímero D
indicam que existe um problema na coagulação― e, na décima semana, o resultado da nova PCR foi negativo.
Seu caso não é único.
Centenas de contagiados por esse novo vírus continuam com sintomas
próprios da fase aguda da doença dois meses depois infecção ―como a
tosse, a febre leve, febre, perda de olfato e paladar e os problemas
respiratórios― e outros não tão comuns que foram se manifestando ao
longo das semanas: formigamento em diversas partes do corpo, hematomas
que aparecem e desaparecem, mucosidade, perda de concentração, disfonia,
feridas...
Além disso, segundo contam, podem ser
pacientes com teste PCR tanto negativo como positivo. Rambém existem os
com positivo em anticorpos (IgM e IgG), alguns com resultados negativos
em todos os testes apesar de ter sinais compatíveis com a doença... “É uma loucura”, diz Cámara.
Protocolos e atendimento
Muitos
desses pacientes começaram a se organizar em quatro comunidades
autônomas: Madri, Catalunha, Andaluzia e o País Basco. E nacionalmente
está sendo criada uma associação, a Covid Persistente, que lançou uma
campanha no Change.org
“para que o Ministério da Saúde e serviços de Saúde das diferentes
comunidades autônomas coloquem em andamento um plano específico para
pacientes com coronavírus persistente”. Muitos deles moram em Madri, a
região mais afetada pela pandemia. Na sexta-feira, a comunidade já
registrava 73.115 positivos acumulados, 221 infectados hospitalizados
―72 deles na UTI― e 15.104 mortos.
Uma das organizadoras
do grupo da região é Beatriz Fernández (Madri, 1979), afastada por
covid-19 há duas semanas. Seu teste mais recente deu negativo, apesar de
continuar com “um festival de sintomas”. Isso “é em parte culpa do protocolo feito pelo sistema sanitário:
nenhum”, argumenta. Esse é um dos principais pontos do manifesto
redigido. Pedem que exista uma instrução unificada que os reconheça como
doentes pelo vírus e o atendimento sanitário necessário para averiguar o
que acontece com eles.
Isso ocorre sobretudo na atenção primária, onde, confirma
José María Molero, porta-voz da Doenças Infecciosas da Sociedade
Espanhola de Medicina de Família e Comunitária (SemFYC) e médico da zona
sul de Madri, não existe esse protocolo, e sim um guia de tratamento de pacientes da covid-19.
O que mais observam são pessoas com PCR positiva que se alonga e
aqueles que foram internados e continuam em acompanhamento. Diz que não é
comum encontrar doentes com quadros persistentes, mas admite que sabem
da situação. E afirma que este fato pode estar relacionado com um
“déficit de imunidade”: “Se os anticorpos se produzem em baixa
concentração é possível que não sejam detectados e a infecção leva mais
tempo para ser eliminada”.
A SemFYC foi uma das entidades
com as quais o grupo entrou em contato, conta Fernández: “Faremos uma
reunião, é preciso marcar uma data”. Também o fizeram com o Serviço de
Saúde da Comunidade de Madri, ainda que deste não tenham obtido
resposta. “Mas esperamos que seja positiva”, frisa Fernández, que
enfatiza o “desesperador” de alongar por tanto tempo essa nova doença.
“O pior é não saber o que acontece e o mais difícil,
conseguir manter o ânimo durante três meses”, narra Laura Calderón,
outra infectada, a quem o choro corta o relato. Lembra a tosse, a febre,
as diarreias, a perda do olfato e paladar, dor ao urinar e um cansaço
contínuo. “Caminhar e sentir que você leva um saco de pedras sobre o peito”.
Ela fez o teste serológico na saúde privada em 20 de maio: IgG
positivo. Além disso, há duas semanas sente um formigamento nas pernas e
braços, na parte baixa da língua e do rosto. “As dores para ir ao
banheiro continuam e a opressão no peito, caminhar meia hora é como
fazer dez quilômetros”, afirma. Está à espera de uma ressonância.
Elisabeth
Semper, (Alcalá de Henares, 1985), pedagoga em ERTE de um colégio
madrilenho, também está à espera. Resultado negativo em todos os testes e
120 dias com sintomas. Tem três filhos de oito, cinco e apenas um ano
que também estão há mais de 100 dias com descamações na pele dos pés,
eczemas, dores de ouvido e febre. O do meio, de três anos, está há 105
dias sem se livrar dos vômitos: os três têm IgG positivo. Semper se
irrita e se entristece por escutar de alguns médicos que é “ansiedade e estresse” pelo confinamento.
Novas unidades pós-Covid
Os
profissionais dizem que, em alguns casos, podem ocorrer quadros de
ansiedade e estresse. Mas nem tudo pode ser explicado com isso. É o
argumento de Juan González del Castillo, responsável da Doenças
Infecciosas da Sociedade Espanhola de Medicina de Urgências e
Emergências (Semes), médico no Hospital Clínico San Carlos e responsável
pelo projeto assistencial criado pelo hospital ―como já existem
unidades pós-Covid em outros hospitais de Madri― para tratar
integralmente os pacientes que passaram pela UTI, pela área de casos
Agudos e estes últimos, com persistência nos sintomas. “Devemos levar a
sério as possíveis sequelas físicas da mesma forma que as cognitivas e
psíquicas. E isso é o que tentamos fazer”, afirma.
Tanto
as sequelas como os sintomas são diversos e, por isso, acrescenta
González, “é preciso uma atenção integral do paciente e há uma
implicação de todos os serviços. Ainda que existam algumas
especialidades com maior relação com o vírus, como Medicina Interna,
Pneumologia, Doenças Infecciosas, Psiquiatria, Reabilitação e
Cardiologia, o hospital inteiro precisa estar à disposição desse
processo”.
Desse
modo é possível fazer um acompanhamento do que traz um novo vírus, do
qual vem se aprendendo com os meses. De acordo com González, “o esperado
para infecções como essa [que ataca principalmente os pulmões] dos que
estiveram na UTI e Casos Agudos, são problemas respiratórios, síndrome
de imobilidade e neuropatias”. Mas para todos os infectados os
especialistas assumem que podem ter alguma sequela e sintoma
persistente: “Avaliamos os pacientes em consultas externas e é preciso
ver como podemos ajudá-los e como evoluem a longo prazo. Os sintomas
persistentes tendem a desaparecer, mas as sequelas são algo que, se não
agirmos, podem trazer outras consequências”.
O doutor Molero afirma que, “mesmo sendo verdade que se
desconhece por que essas situações ocorrem, como as longas evoluções com
PCR positivo, com ou sem sintomas, além da sintomatologia persistente,
os dados são tranquilizadores”, uma vez que não foi detectada
“transmissibilidade no entorno familiar; não contagiam”. Além disso,
acrescenta, “não apresentam quadros graves que precisem de internação
hospitalar, não há complicações sérias e prognósticos ruins”. Mas “esses
sintomas leves significam uma óbvia limitação física, e não é que estão
somatizando, é que estão sofrendo”.
Javier García,
pneumologista do Hospital de La Princesa, esteve na linha de frente
durante o pior da pandemia e agora é o responsável de seu hospital pelo
atendimento primário. Relata que estão vendo, principalmente, sequelas
respiratórias: dispneia, diminuição na capacidade pulmonar e alterações
nesses órgãos. Também lesões dermatológicas, alterações cognitivas como
amnésia e confusão e quadros de ansiedade. “Estamos aprendendo muito,
mas ainda há margens que desconhecemos. Alguns vão em ritmo muito
lento”. Outros, diz, apesar de sua auscultação, sua radiografia e seu
nível de oxigênio estarem bem, sentem-se mais cansados do que antes e
têm tosse residual: “Mas por enquanto não há tratamento, é preciso
acompanhá-los”.
García adoraria ter uma fórmula mágica: “Mas não a tenho. Só
posso observar, fazer o acompanhamento e recomendar exercício físico e
alimentação saudável”. Agora, diz González, “passada a fase aguda da
pandemia, é preciso se voltar a esses pacientes e ajudá-los. Não há uma
regra definida para cada doença e para cada doente, é preciso avaliar
individualmente, ver o que vai acontecendo”. A incerteza que, desde o
começo dessa crise, é a única certeza.
A “sorte” dentro da desgraça do vírus
Algumas
das primeiras coisas que contam os que depois de meses continuam com
sintomas da Covid é que sabem que foram “sortudos” dentro da “desgraça”
provocada pelo vírus. Assim também o escrevem em um manifesto que
redigiram e é apoiado por quatro coletivos de pacientes de covid
persistentes da Catalunha, País Basco, Andaluzia e Madri, que já estão
se reunindo como associação. Mas é o único aspecto positivo que veem.
Em
um sistema de saúde colapsado, narram, eles ficaram em casa
“pacientemente”, “recebendo acompanhamentos desiguais dependendo do
centro de atendimento primário e/ou médicos envolvidos”. Dizem que as
melhoras que experimentaram após duas ou três semanas acabaram sendo
“uma breve miragem que foi seguida pelo reaparecimento de todos ou uma
parte dos sintomas”.
Com o passar do tempo e a manutenção
de sua condição, consolidam sua “inquietação” e seu “sentimento de
abandono”, porque dizem ter a sensação de que, “pelo desconhecimento
dessa doença não foram estabelecidos protocolos sanitários adequados
para tratar” seus sintomas.
Pedem ao Ministério da Saúde
uma recontagem das pessoas afetadas, protocolos comuns a todas as
regiões “atendendo a critérios rigidamente científicos, para se conhecer
as causas da persistência dos sintomas e se estes respondem à
persistência da infecção ou são sequelas”. Pedem também que seu
atendimento seja “uma prioridade” às autoridades sanitárias, a ampliação
dos meios para o atendimento primário e que não sejam excluídos do
acompanhamento os que dão negativo nos testes sorológicos “por não ter
sido realizada uma PCR durante os primeiros dias da infecção pela falta
dos testes durante março, abril e maio”.
OS TESTES SOROLÓGICOS
Os profissionais afirmam que os testes sorológicos têm uma sensibilidade e especificidade determinada e não são 100% confiáveis. Dizem que, dependendo de quando a sorologia for feita, pode dar um falso negativo. Por isso, também é preciso o diagnóstico clínico de um médico.conteúdo
Isabel Valdés
Madri
El País
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