Há seis meses o Brasil espera respostas sobre o crime que provocou o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL). A parlamentar foi atingida com quatro tiros na cabeça no dia 14 de março em uma avenida do Rio de Janeiro, durante a intervenção militar que transferiu o controle da segurança do Estado para um general. Também no último mês de março, dois ônibus da caravana do ex-presidente Lula (PT) foram alvejados no Paraná, mas ninguém foi atingido.
Cinco meses depois, o candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL) foi esfaqueado enquanto cumpria agenda de campanha em Juiz de Fora (Minas Gerais). Os três casos são emblemáticos no atual contexto de grande polarização política no Brasil, que implementou há 15 anos sua política de desarmamento. Em uma sociedade acostumada a resolver seus conflitos mais banais com violência, apontam especialistas em Segurança Pública, os resultados poderiam ser ainda mais graves com a ampliação do porte de armas para a população.
"Esses
casos não estão tendo uma punição rápida, então vai criando uma
sensação de impunidade. Estamos chegando em um cenário de vale tudo",
analisa o pesquisador Ricardo Moura, do Laboratório de Conflitualidade e
Violência da Universidade Estadual do Ceará. Um cenário que, segundo
ele, comportaria o ataque protagonizado por Adélio Bispo de Oliveira
contra o presidenciável Jair Bolsonaro, o mesmo candidato que defende a
liberação do porte de armas como forma de proteção individual e combate
à violência. "Pra se manter vivo, Bolsonaro contou, de uma forma muito
irônica, com a proibição do porte de armas. Se a gente vivesse em uma
situação como a que já ocorreu, de poder comprar arma em loja de
departamento, o desfecho desse ataque poderia ser ainda mais brutal",
afirma Moura.
O pesquisador explica que a faca utilizada pelo agressor
exige uma aproximação maior e tem um ângulo de ataque restrito ao
movimento do próprio braço. Se portasse uma arma de fogo neste momento,
acrescenta, a possibilidade de alvejar um órgão letal seria maior. "Se o
agressor pudesse andar de forma tranquila com uma arma legalizada, o
risco à vida do candidato ficaria sob uma ameaça ainda maior", declara.
Mas nem Bolsonaro nem seus correligionários concordam com
essa premissa. No sábado logo após o atentado, 8 de setembro, o deputado
estadual Flávio Bolsonaro publicou no Twitter uma imagem do pai,
internado na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Albert Einstein,
fazendo um gesto de arma com as mãos. Em entrevista concedida nas portas
do hospital, momentos antes de visitar o pai esfaqueado, Flávio disse
que sua família seguirá defendendo a ampliação do porte de armas para
todos os cidadãos. “Quem mata não são as armas, mas as pessoas”,
argumentou.
O assunto é polêmico. Uma pesquisa de opinião conduzida diariamente pelo Atlas Político
indica que 59,7% dos brasileiros são contra a ampliação da autorização
para porte de armas no País enquanto 32,2% são a favor. De um lado, a
ampliação do porte de armas tem um certo clamor popular por oferecer uma
suposta sensação de segurança ao cidadão. De outro, especialistas
analisam que o desarmamento foi uma das políticas de Estado na área de segurança pública mais eficientes para combater os crimes de homicídio no Brasil.
"O porte de armas é um risco alto que não é percebido pela sociedade
em geral", afirma Ignacio Cano, pesquisador do Laboratório de Análise da
Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Segundo ele, a
proteção individual do cidadão não é uma alternativa, e a única solução
para a insegurança é a melhoria do serviço prestado pelo Estado. "Boa
parte das mortes dos policiais no Brasil não ocorrem quando estão em
serviço, mas por tentar reagir a um assalto.
Imagina como seria isso com o cidadão comum armado", projeta. Para ele,
se o porte de armas para o cidadão comum fosse liberado no Brasil, o
atentado contra o presidenciável Jair Bolsonaro poderia ter evoluído
para um tiroteio grave. "Uma proliferação de armas ali seria perigosa
não só para o candidato, mas para todos", ressalta.Flexibilização do estatuto do desarmamento
Pelo menos três dos doze candidatos à Presidência nas eleições deste ano já declararam ser favoráveis a algum tipo de flexibilização do Estatuto do Desarmamento. Jair Bolsonaro defende o porte de arma para o cidadão comum com algumas restrições, como por exemplo um exame psicológico. Álvaro Dias (Podemos) quer reduzir as negações das autorizações pela Polícia Federal, que, para ele, não se restringem apenas aos critérios estabelecidos em lei. Já o tucano Geraldo Alckmin quer a posse de armas para os proprietários rurais. "Com tantos atentados contra os políticos, fica o questionamento para a sociedade se o Brasil tem condições hoje em ter uma política de controle de armas menos rigorosa. Eu acho que não", afirma o diretor-executivo do instituto Sou da Paz, Ivan Marques.
Segundo ele, o País precisa seguir com uma legislação
rigorosa em relação ao acesso às armas de fogo e com políticas para o
desarmamento. Isso porque a sociedade brasileira já tem a característica
de resolver conflitos cotidianos — como uma briga num bar ou no
trânsito — com violência. Essa característica alcança também a esfera
política, evidenciada neste ano pela polarização eleitoral. "Nós temos
atualmente uma mistura nociva entre o mundo político e a violência.
Tornar o controle de armas menos restritivo me parece um erro que só vai
aumentar a violência brasileira, que já é enorme. Espero que os últimos
atentados mostrem que não devemos ampliar, mas restringir o acesso às
armas", defende.
Influência eleitoral das facções
A violência tem sido protagonista neste ano eleitoral. Por
meio da força e do crime, se tenta influenciar os resultados das urnas
no dia 7 de outubro. Para além dos atentados contra os candidatos, o
pesquisador Ricardo Moura cita a influência das facções criminosas em
algumas regiões do Brasil. "No Ceará estão ameaçando eleitores e restringido o acesso de determinados candidatos.
Nós temos no Brasil a violência da polarização e temos também o crime
organizado se posicionando de uma forma política e tentando interferir
na escolha do eleitor", diz. O desafio do país é conseguir chegar ao dia
7 de outubro com o menor índice de violência possível. "Nos aproximamos
de um primeiro turno muito acirrado e indefinido. É importante que a
gente esteja atento também para reforçar a segurança nos dias de
votação", finaliza.
conteúdo
Beatriz Jucá
São Paulo
El País
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