"Precisamos de mudança." "Chega de PT e de corrupção." "O Brasil está
numa situação econômica terrível." "Ele vai combater a criminalidade
com leis mais duras." "Ele é temente a Deus e a favor da família." Esses
são alguns motivos apresentados por eleitores de Santa Catarina para
explicar por que concederam, no primeiro turno, a maior votação
proporcional do país ao candidato Jair Bolsonaro, do Partido Social
Liberal (PSL). Santa Catarina está na crista da onda Bolsonaro:
foram 65,82% dos votos, contra 15,13% para Fernando Haddad, do PT. Dos
295 municípios do estado, 223 elegeriam Bolsonaro no primeiro turno. O
estado, portanto, é um local propício para tentar entender os motivos
que fizeram o eleitor optar pelo voto no 17. Nas ruas do Morro
do Horácio, na periferia de Florianópolis, não parece existir campanha
política. Não há bandeiras de partidos ou adesivos de candidatos
espalhados pelo bairro. Muitos moradores relatam desilusão com a
política e sequer querem conversar. Rosemi Dal Soto, de 56 anos, é uma
das poucas moradoras a dizer o que pensa. "Precisamos de mudança. Chega
de PT e de corrupção. Pagamos impostos demais. Acredito que isso vai
mudar com o Bolsonaro", diz. O desejo de mudança é um dos
principais argumentos usados para justificar a escolha do PSL, quase
sempre acompanhado da crítica ao PT e à corrupção. "A característica
mais importante do fenômeno Bolsonaro é a politização da antipolítica.
Ele captura bem o sentimento de negação, de frustração com a política",
avalia a pesquisadora Esther Solano, da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp), que estuda os eleitores de Bolsonaro desde 2017. "Ele
se apresenta – obviamente que isso é uma questão de marketing – como uma
figura nova, como um outsider, antissistema", avalia a pesquisadora. O
candidato do PSL é deputado há 27 anos. Se Santa Catarina se
tornou o estado brasileiro mais pró-Bolsonaro no primeiro turno, Treze
de Maio, no sul do estado, conquistou o posto de capital nacional. O
município agrícola de pouco mais de 7 mil habitantes teve a maior
votação proporcional do país para o candidato: 83,89%, contra 7,2% de
Haddad. Apaixonado por armas, o representante comercial Iter Bez
Fontana, de 32 anos, participa do grupo de WhatsApp Atiradores de Elite,
que se transformou em "Jair Bolsonaro". "Votei no Bolsonaro, em
primeiro lugar, porque ele é temente a Deus e a favor da família."
Fontana, que é casado e tem um filho, considera um dos principais
problemas do Brasil o que chama de ideologia de gênero. Na visão dele, o
ensino sobre educação sexual e igualdade de gênero não deve ser feito
nas escolas, mas pelos pais. Vários entrevistados citaram como
argumento que Bolsonaro é um homem de Deus e a favor da família. E,
muitas vezes, completaram com críticas às questões de gênero
e à sexualidade, em geral, e ao kit gay, em particular. No dia 16 de
outubro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mandou Bolsonaro remover
vídeos sobre o kit gay da redes sociais por serem falsos. Voltado para
formação de educadores no âmbito do projeto Escola sem Homofobia, o
material nunca foi distribuído. Na sua pesquisa, Solano
evidenciou uma forte reação dos eleitores de Bolsonaro a mudanças de
costumes. "Há uma reação muito grande aos avanços no campo progressista,
do ponto de vista dos costumes, dos avanços sociais, dos movimentos
identitários, como o movimento negro, LGBT e feminista. Há uma reação em
torno desse tipo de valores, no sentido de retomar os valores da
família tradicional, os valores cristãos e religiosos", afirma. No
outro extremo ideológico do estado está Entre Rios, cidade do Oeste com
pouco mais de 4 mil habitantes. Lá Haddad recebeu 65,63% dos votos,
contra 21,55% de Bolsonaro. A servidora pública Adriani Maria Biasi, de
36 anos, foi na contramão da maioria dos moradores da cidade. Para ela, o
candidato do PSL representa, sobretudo, o respeito às tradições e à
ordem. "Ou ele muda ou ele vai entregar para os militares. Se ele não
der conta, que entre alguém acima dele que coloque ordem no Brasil.
Porque desse jeito não dá, é só corrupção", declara. Uma das principais críticas a Bolsonaro são as declarações
de apoio à ditadura militar. Na votação do impeachment da ex-presidente
Dilma Rousseff, por exemplo, o deputado homenageou Carlos Alberto
Brilhante Ustra, que dirigiu um centro de tortura durante o regime
militar. Alguns eleitores parecem não se importar com isso ou até
consideram um golpe militar como solução. Solano vê nisso uma
reinterpretação do período histórico, tido por essas pessoas como mais
seguro e mais disciplinado. "Como é um período da história que não foi
de fato fechado, não teve culpabilização, julgamentos, não foi colocado o
dedo na ferida, isso possibilita que, de fato, a ditadura seja uma
lembrança possível", comenta. Em 2002, Santa Catarina concedeu a
maior votação proporcional a Lula no primeiro turno. Desde então votou
contra o PT. Nas últimas eleições, o candidato Aécio Neves, do PSDB,
obteve a maior votação proporcional nos dois turnos. Para o sociólogo
Jean Gabriel Castro da Costa, da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), o que faz o eleitor catarinense optar por Bolsonaro é o
sentimento contra o sistema político e a corrupção. Mas por que Santa
Catarina está na crista dessa onda? Na avaliação do pesquisador,
em Santa Catarina não há fortes contrapesos a esse sentimento. "Um deles
seria o Bolsa Família, que tem um peso maior no Nordeste. Santa
Catarina é o estado em que a percentagem de famílias que ganham o
benefício é a menor do país. Podemos dizer que o eleitorado daqui é o
que menos depende do Estado em vários sentidos, por causa da tradição de
pequenas e médias propriedades rurais, do cooperativismo, dos
serviços", avalia. Além disso, o PT não é tão forte como em outros
estados. Alguns entrevistados, sobretudo mais jovens, dizem que
se descobriram de direita ao refletir sobre o assunto. Murilo Coelho, de
21 anos, e Luiz Henrique Santos, de 24 anos, são dois estudantes de
agronomia da UFSC que participam do movimento Direita Santa Catarina
(DSC), cujo objetivo é apoiar o conservadorismo social e o liberalismo
econômico. "Voto no Bolsonaro, primeiro de tudo, para resgatar os
valores, os bons costumes, manter a família tradicional, pelo direito à
vida, contra o aborto", afirma Murilo. "Vejo muita coragem em
Bolsonaro em bater na tecla de segurança pública. A maioria da população
já teve problemas em ter sido assaltado, ter sido vítima de algum ato
de covardia", complementa Santos. Na quinta-feira passada (17/10)
passada em Florianópolis, foi inaugurado o comitê de campanha de
Bolsonaro e do Comandante Moisés, candidato a governador pelo PSL.
Quarto colocado nas pesquisas, ele chegou ao segundo turno ligeiramente
atrás de Gelson Merísio (PSD), que também declarou apoio a Bolsonaro.
Almira Lima Lopes, de 61 anos, estranhou o fato de ser uma das poucas
mulheres no local. A grande maioria também era de brancos, ao contrário
dela e do filho Marco Aurélio Júnior, de 39 anos. Apesar de a
família estar em peso a favor de Bolsonaro, há discussões. "Comecei a
postar coisas do Bolsonaro no Facebook, e uma sobrinha, que entrou na
universidade e se transformou, começou a reclamar. 'Tia, você é mulher e
negra e vai votar no Bolsonaro?' É justamente por ser mulher e negra
que voto no Bolsonaro", justifica. Tanto ela como o filho alegam que
racismo e machismo já existem e avaliam que as críticas a Bolsonaro
nessas questões derivam de uma falta de entendimento do seu jeito
espontâneo de falar.
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