É pouco o que têm em comum os que enchem este pequeno auditório no centro de São Paulo num domingo recente. Nenhum deles já ocupou cargo eletivo, mas todos estão convencidos de que a política brasileira exige uma renovação profunda, e que querem protagonizar essa mudança. E finalmente encontraram o caminho. Daniel Reis, 39 anos, mestre em estatística, estudante de matemática e pai de um filho, sabe muito bem a bandeira que pretende apresentar como candidato a vereador paulistano em 2020, e por quê.
Reis
precisou de duas horas e três baldeações para chegar ao centro da
cidade, onde um dos movimentos de renovação nascidos no calor do terremoto político que sacudiu o Brasil nos últimos anos reuniu centenas de alunos que se preparam para o vestibular das urnas.
Em
um país onde as bancadas temáticas (dos evangélicos, da segurança
pública e do agronegócio, por exemplo) são muito mais poderosas do que
qualquer partido, onde persistem dinastias e caciques, e trocar de
legenda é algo visto com naturalidade, a inovação chegou aos processos
destinados a recrutar os candidatos. Outro exemplo é o Novo,
um partido liberal, que irá submeter seus candidatos a três etapas de
provas e entrevistas. E, como os candidatos a prefeito serão escolhidos
por uma empresa de recursos humanos, terão que pagar até 4.000 reais se
passarem ao segundo turno, segundo contou sua líder à Folha de S.Paulo.
Outros partidos optam pela clássica pesca de novos afiliados. O encontro dominical do movimento RenovaBR,
baseado em aulas motivacionais, tem jeito de primeiro dia de colégio,
porque os alunos não se conhecem. É muito mais diverso quanto ao gênero
ou a raça do que qualquer Câmara parlamentar brasileira. Chegam para uma
aula excepcional, a única a que estes pré-candidatos assistem
pessoalmente dentro de um curso on-line de 16 semanas que este
laboratório de políticos ministra a 1.400 brasileiros distribuídos por
todo o país. São cidadãos que pretendem ser eleitos vereadores ou
prefeitos, para conseguir o "poder da caneta": mudar o mundo, defender
os direitos conquistados com tanto esforço, ou arrumar os buracos do
bairro.
Este movimento financiado com doações
individuais, liderado por um empreendedor que enriqueceu com as
finanças, Eduardo Mufarej, aspira a repetir o sucesso das eleições de
2018, quando 16 de seus alunos foram eleitos deputados na maré da renovação.
Por vários partidos, aliás. Porque, salientam os responsáveis, não se
trata de ideologia. "Vamos apoiar a gente honesta, competente e
talentosa", prometeu Mufarej. O grupo teve que levar as aulas para mundo
virtual porque a avalanche de aspirantes foi tanta que já não havia
mais dinheiro para aulas imersivas, como na campanha passada.
Uniformizados
com camisetas da "primeira escola de políticos do Brasil", estes
eleitos entre os 30.000 aspirantes iniciais vão se apresentando. Karina
Freitas, uma empresária do interior paulista, troca as primeiras
impressões com a estudante de direito Raquel Mota, eleitora desde os 16
anos e veterana de vários movimentos sociais, e com Ieda Passos, uma
jornalista que virou consultora. A nova onda feminista parece ser um dos assuntos que as une, mas a partir daí tudo indica que seus projetos político-econômicos são distintos.
Alguns
dos presentes já escolheram por qual partido vão se apresentar, mas a
maioria ainda está na dúvida. Alguém se divide entre os esquerdistas PT e PSOL,
outra entre o clássico social-democrata PSDB e o recente Novo. Nos
discursos salpicados de slogans —"Preparamos pessoas comuns para serem
políticos fora do comum"— se destaca a ladainha em favor do diálogo e do
consenso. Justamente o contrário da política de trincheiras que os
eleitores premiaram em outubro passado com a eleição de Jair Bolsonaro.
Subiram ao palco para inspirá-los alguns dos alunos mais bem-sucedidos das eleições anteriores, embora tenha faltado a deputada Tabata Amaral (PDT-SP),
símbolo em Brasília da nova política e alvo de duras críticas das
fileiras da esquerda, à qual pertence, por se alinhar com os liberais na
Reforma da Previdência.
Heni Ozi Cukier, com uma ampla e variada carreira em política
internacional e segurança que o levou até a ONU, recebeu formação, apoio
logístico e financeiro deste movimento para se eleger deputado estadual
pelo Novo em São Paulo.
Conta que levou seu ex-chefe na
secretária de Segurança Pública de São Paulo. "É coronel da Polícia
Militar há décadas, mas nunca se apresentou a um cargo. Viu minha
história. Depois de trabalhar com ele por ano e meio, disputei as
eleições e ganhei. Ele falou, 'Poxa, pode ser uma opção'. Eu disse a
ele: vai no RenovaBr, vão te ajudar". E aqui está como aluno. Cada um
dos 1.400 pré-candidatos tem agora alguns meses pela frente para
continuar se formando, decidir se dará o passo, escolher partido e...
fazer campanha para seduzir o eleitorado em outubro de 2020.
Esse
não será o final. O deputado Cukier tem os olhos voltados para além do
seu atual cargo. E o matemático Reis afirma que, se não der na primeira
vez, será na segunda ou terceira. "Resiliência é uma palavra que uso
todo dia", despede-se.
conteúdo
Naiara Galarraga Gortázar
São Paulo
El País
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