Envelhecimento da população trará 'dinheiro extra' e 'dilemas' para educação no Brasil, diz economista



De quantos professores o Brasil irá precisar em 2050? Bem menos do que atualmente, nas projeções do economista-chefe do Instituto Ayrton Senna, Ricardo Paes de Barros.
Com a fecundidade em queda e um envelhecimento da população ocorrendo em ritmo acelerado, o economista prevê uma queda nas matrículas da educação básica nas próximas décadas, o que, na visão do especialista, pode representar uma folga no orçamento público para melhorar a qualidade do ensino, em vez de apenas expandi-lo.
"Se tivéssemos, como no passado, o número de crianças aumentando acentuadamente, seria mais difícil investir na qualidade da educação. Agora, temos essa oportunidade de investir e ter um gasto maior por aluno. A questão é como queremos distribuir esse gasto", afirma Paes de Barros, que foi um dos mentores do programa Bolsa Família e, nos últimos anos, desde que assumiu a cátedra do Instituto Ayrton Senna no Insper, em 2015, tem dedicado suas pesquisas a coletar evidências para orientar a elaboração de políticas públicas, especialmente em educação.
O Pará, por exemplo, tinha no ano passado 8,1 mil escolas públicas de anos iniciais do fundamental (1ª à 5ª séries) atualmente, mas, segundo as projeções de Paes de Barros, em 2050 o Estado só terá demanda suficiente para preencher pouco mais de 6 mil escolas dessa etapa. 
São Paulo, enquanto isso, empregava no ano passado 115,9 mil professores dedicados ao fundamental 1, mas terá, daqui a três décadas, alunos suficientes para 98,9 mil professores nessa etapa.
Doutor em economia pela Universidade de Chicago, berço do liberalismo econômico que formou o ministro da Economia, Paulo Guedes, e os modelos de Previdência que pautaram reformas no Chile, Colômbia, México e Peru, Paes de Barros foi subsecretário de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República entre 2011 e 2015 e, por mais de 30 anos, integrou o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), dedicando-se aos aos temas de desigualdade e pobreza, mercado de trabalho e educação no Brasil e na América Latina.
Em seu estudo mais recente, Enfrentando os Desafios Educacionais, ele reúne cerca de 3 mil gráficos de estatísticas e projeções — como as citadas acima — para a educação nas próximas décadas relativos a todos os Estados brasileiros, para serem usados pelos governos estaduais.
O estudo, que será apresentado em dezembro em evento com o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), tem por objetivo subsidiar as secretarias estaduais sobre os cenários para os próximos anos e possibilidades de decisões de alocação de recursos — papel que, na visão de PB, como é chamado o economista, poderia estar sendo desempenhado também pelo Ministério da Educação.
"A questão é garantir que todos ou a maioria (dos Estados) entenda e aproveite essa transição (demográfica). O governo federal deveria estar envolvido em fazer estudos mostrando para as várias redes quem está aproveitando isso bem e o que está fazendo. É o que o Chile faz, aprender com quem faz bem e divulgar", afirma.
Para Paes de Barros, o Brasil é ineficiente em adaptar bons exemplos já existentes na educação e replicá-los no país inteiro.
"Nosso fraco desempenho na verdade é uma mistura de alguns Estados, municípios e escolas fantásticos ou muito bons, junto com Estados, municípios e escolas muito fracos. Então, na verdade, o nosso grande problema é não sabermos aprender com nós mesmos", opina.
As projeções para a educação elaboradas pelo economista foram baseadas no cenário traçado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que calcula que a população brasileira vai crescer até 2047, quando deve chegar a 233,2 milhões de habitantes. Nos anos seguintes, ela cairá gradualmente, até 228,3 milhões em 2060, diz o IBGE.
A taxa de fecundidade das brasileiras, que já foi de 4,3 crianças por mulher na década de 1980, está em 1,77 filho por mulher (já abaixo, portanto, da taxa de reposição da população) e cairá para 1,66 daqui a quatro décadas, prevê o instituto.
Segundo dados compilados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o Brasil gasta percentualmente de seu PIB (Produto Interno Bruto) com educação básica e técnica mais do que a média de países da organização. No entanto, por causa do PIB relativamente baixo do Brasil, o número absoluto do gasto acaba não sendo tão alto: no fundamental 1, por exemplo, esse gasto anual por aluno foi estimado em US$ 3,8 mil, contra US$ 8,6 mil na média dos países da OCDE. 
Mas, se o Brasil mantiver os gastos educacionais públicos no patamar atual, sobrarão mais recursos por aluno, diz o economista. A ideia, segundo Paes de Barros, não é levar receitas prontas e recomendações aos Estados sobre o que fazer com esse dinheiro, mas sim dar números, informações e diretrizes que ajudem os secretários a tomarem decisões de acordo com cada cenário.
E algumas dessas decisões podem ser difíceis e polêmicas.

Menos matrículas

Na previsão de Ricardo Paes de Barros, o número de crianças e jovens em idade escolar cairá drasticamente nos próximos 30 anos. Em 2050, ele projeta, a população de 6 a 10 anos no Brasil cairá de um contingente de 12,3 milhões em 2010 para 9,9 milhões, reduzindo para o mesmo patamar o número de matrículas nos anos iniciais da educação básica.
Entre a população de 11 a 14 anos, o número deve passar de 10,2 milhões de pessoas em 2050 para 8,4 milhões.
"O Brasil está passando por uma transição demográfica bem acelerada - é seis vezes mais rápida do que a francesa, por exemplo. O que a França fez em 120 anos vamos fazer em 20 (em termos de mudança do perfil populacional)", explica o economista à BBC News Brasil.
A queda se dará de forma mais acelerada e em proporção menos expressiva no ensino médio: o economista prevê que a população de 15 a 17 anos, que era de pouco mais de 10 milhões em 2010, chegará a pouco menos de 8 milhões em 2050.
"Nossa matrícula na melhor das hipóteses vai ficar parada (porque ainda é preciso aumentar cobertura nas creches e ensino médio), ou então vai cair. Isso significa o seguinte: como um país que vai ficar mais rico nos próximos 50 anos — talvez lentamente, talvez rapidamente, mas dificilmente vamos ficar mais pobres —, se a gente mantiver o percentual que gasta na educação, vamos ter mais dinheiro por aluno do que temos hoje. A questão é: como queremos gastar esse dinheiro a mais?"

"Desafogar" turmas ou pagar mais os professores? Uma decisão polêmica

Um dos dilemas fiscais apontados por Paes de Barros aos governos estaduais sobre o que fazer diante do possível excedente de recursos é, por exemplo: reduzir o tamanho das turmas (criando assim turmas novas, que vão exigir mais professores), ou manter as turmas como estão e, com menos professores, investir mais nas condições de trabalho dos já contratados?
"Como o número de turmas e professores vem crescendo de forma muito acelerada, para essa oportunidade ser melhor aproveitada, é fundamental que o crescimento na contratação de novos professores seja devidamente modulado de tal forma que maior atenção possa ser dada a melhorias na atratividade do magistério", diz o estudo do economista.
Hoje, o Brasil tem salas de aula consideradas "comparativamente numerosas" pelos parâmetros internacionais: uma média de 23 alunos por classe nos anos iniciais do ensino fundamental e 27 nos anos finais, acima das médias de 21 e 23, respectivamente, nos países da OCDE.
O estudo do economista argumenta que, embora seja claro que turmas menores favorecem a qualidade do ensino, a evidência aponta que reduções adicionais a partir de um dado tamanho são pouco eficazes na promoção do aprendizado.

Polêmica e protestos

Num passado recente, a proposta de repensar o número de escolas e professores sob a perspectiva da transição demográfica foi alvo de muita controvérsia e protestos.
Em São Paulo, em 2015, um plano para reorganizar escolas com queda na demanda previa o fechamento de 93 unidades escolares, mas culminou na saída do então secretário da Educação do Estado de São Paulo, Herman Voorwald, e na ocupação de cerca de 200 escolas pelos estudantes - no que se tornou o maior movimento de protesto estudantil das últimas décadas. 
À época, as organizações estudantis argumentavam que a reorganização fecharia escolas em regiões superlotadas, e obrigaria muitos estudantes a serem realocados a escolas muito distantes de suas residências, por exemplo - sendo que muitos estudantes de periferia e zonas rurais já passam parte significativa do dia no deslocamento entre casa e escola.
"É um tema superdelicado. São Paulo tinha um plano bem estruturado que fracassou porque não conseguiu comunicar direito e convencer todo mundo. É um desafio para a sociedade brasileira", opina Paes de Barros, que integrou o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) por 30 anos e foi subsecretário de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República entre 2011 e 2015.
"O secretário de Pernambuco tem uma frase que é 'escolhe aí, você quer escola perto de casa ou escola boa? Os dois não dá para fazer'. No limite, vai ser preciso escolher. Obviamente tem lugar com escola superlotada, onde vai ter que construir mais. Há bairros novos, cidades crescendo. Mas há cidades que estão encolhendo, estagnadas. Vai ser preciso decidir se fecha uma escola e melhora a outra ou se você vai querer ficar com um número maior de escolas", diz.
"Havendo menos escolas, dá para cuidar melhor delas. Uma escola com duas turmas dificilmente vai poder (comportar) um laboratório de ciências. Daí talvez seja melhor ter uma escola maior que seja fantástica, e os jovens vão ter que se deslocar a essa escola. Não estamos dizendo que vai ser assim, a decisão é deles (secretários de Educação). (...) Hoje, a porcentagem de escolas com laboratório de ciências é ínfima."

Professores: salários e melhores condições de trabalho

Outro dilema dirá respeito aos investimentos na valorização da carreira dos professores.
"Pode-se ter políticas completamente diferentes para isso", afirma Paes de Barros: desde melhorar o clima na escola para atrair mais talentos, até criar políticas de motivação e formação ou mesmo aumentar salários.
"O que queremos é ajudar os Estados com essas macrodecisões - dos R$ 100 que você vai gastar a mais com o professor, o quanto você quer botar mais em atratividade, formação e promoção? Tem Estado que está bem em formação, mas não tanto em motivação, e tem Estado em que é o contrário. São Paulo, pelo menos até recentemente, oferecia salários muito abaixo do mercado. Enquanto que no Mato Grosso do Sul e no Maranhão (professores) têm salário bem acima do de mercado. Em São Paulo, o professor tem que dar aula em turmas grandes e em vários lugares, enquanto (seria melhor) dar aulas para turmas menores, ficar conectado a uma mesma escola. Já em Pernambuco e Goiás, o professor tem uma conexão muito melhor com a escola."
Segundo o estudo, sem a garantia de remunerações compatíveis ou mesmo acima dos valores de mercado, a baixa capacidade de atrair os melhores estudantes dificilmente será revertida.
Além de aumentar os salários, o diagnóstico do Instituto Ayrton Senna aponta que é possível atrair mais talentos para a carreira de professor também cuidando de aspectos das condições de trabalho, como melhorar os contratos, priorizando os que permitam ao professor trabalhar em uma única escola.
"É notório que os cursos de Licenciatura e Pedagogia no país atraem estudantes com desempenho acadêmico e origem familiar inferiores à média; enquanto países com melhor desempenho educacional tendem a ser aqueles que atraem para o magistério seus melhores estudantes", diz o relatório. "Para o professor, é importante estabilidade da relação de trabalho, condições para aposentadoria e necessidade de lecionar em mais de uma escola por não ter acesso a um contrato de tempo integral em uma mesma escola".
Para Paes de Barros, todos os Estados brasileiros precisarão levar em conta esses fatores ao avaliar a contratação de novos professores para suas redes, para evitar de "contratar um monte de professor e não melhorar a atratividade da carreira".
"Agora temos que segurar a contratação dos professores e tentar oferecer contratos mais competitivos, e melhorar a qualidade da escola. Se a gente não mudar a lógica de sair contratando um monte de professores, pode acabar com uma crise violenta, uma quantidade de professores de que não precisamos, e não tem como deixar de tê-los, porque os contratamos por 30 anos. A mesma coisa com escolas: há escolas de fundamental 1 que vão ter de virar ensino médio ou educação infantil. Se a gente não for arrojado em adaptar a nossa infraestrutura à demanda, pode acabar tendo que colocar crianças pequenas em salas inadequadas para elas."
A valorização, opina Paes de Barros, passa também pelas expectativas que a sociedade tem para a docência.
"Uma das coisas que a gente vê é que, seja na União Europeia ou no Brasil, os professores acham que a profissão é muito pouco valorizada socialmente, embora a maior parte deles diga que, se tivesse que escolher de novo, ainda escolheria ser professor. Então os professores estão meio que naturalizando essa falta de prestígio social que a profissão carrega no Brasil", diz ele. 
"E se a gente realmente quer uma educação de qualidade, tem que acabar com isso. Acho que o grande sucesso do Ceará (em estar entre os melhores em educação pública) e de pequenas cidades do interior é que o professor é tido como (alguém de prestígio). Ele anda pela rua e os pais falam, 'aquele ali é o professor do meu filho'. O cara tem orgulho do que ele faz. Aqui em São Paulo ninguém dá a menor bola ao professor. Você não vai ter educação de qualidade se não tiver altíssimas expectativas sobre os professores."
Isso não passa por exigir práticas "mirabolantes ou inovadoras", mas por "valorizar a simplicidade envolvida num bom professor", opina o economista. "É o cuidado que ele tem com as crianças, como ele lida com cada uma delas — nada de espetacular."

Reduzir desigualdades e replicar casos de sucesso

O relatório do Instituto Ayrton Senna começou a ser elaborado em 2018, quando o atual governo federal encomendou um diagnóstico a respeito dos desafios da educação no país.
Paes de Barros transformou isso em diagnósticos mostrando os desafios específicos para cada Estado, já levados para os secretários de Educação que assumiram em janeiro. O documento a ser entregue em dezembro é uma extensão desse trabalho.
A potencial folga no orçamento da educação, favorecida pela transição demográfica, é para Paes de Barros uma "janela de oportunidade" de se reavaliar os gastos e reduzir disparidades regionais.
"O grande problema é que, para o aluno, não importa o quanto gastamos com ele, mas sim a qualidade da educação que ele recebe. E o que a gente percebe é que o Ceará gasta praticamente a mesma coisa que o Maranhão. Pernambuco também. E (CE e PE) são líderes educacionais do Brasil. Aqui em São Paulo temos diferenças regionais enormes. Apiaí, que é uma área na divisa com o Paraná, no Vale do Ribeira, tem escolas com desempenho muito bom. Ou seja, com o pouco que eles têm, em uma região bem pobre, alcançam resultados muito bons", diz.
"A gente tem uma janela de oportunidade que é também um tremendo choque rápido na estrutura da demanda. Se a gente não se ajustar a isso, pode gastar muito mal os recursos que tem, e a nossa educação vai crescer lentamente. E, do ponto de vista fiscal, a situação pode ficar muito complicada se a gente aumentar muito o número de professores e tentar aumentar o salário deles ao mesmo tempo. Já se a gente souber levar em conta as mudanças que vêm pela frente e souber administrar isso, a gente pode dar um salto na educação", opina.


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