“Incomum”. Foi assim que vários especialistas consultados pelo EL PAÍS definiram a decisão da Caixa Econômica Federal de fazer um precoce pedido de falência da Odebrecht, ainda na fase de contestação ao plano de recuperação judicial apresentado pela empresa em junho. Foi naquele mês que a construtora, em meio à pressão de credores pela incapacidade do grupo de arcar com os 98,5 bilhões de reais em dívidas, resolveu ir à Justiça para mediar a questão: propunha continuar em operação enquanto negocia uma forma de pagar o que deve.
Um
advogado especializado em falências e conhecimento da matéria, que pediu
o anonimato, afirmou que no centro da questão está na Arena Corinthians. O estádio, popularmente conhecido como Itaquerão, foi construído pela Odebrecht entre 2011 e 2014 com recursos públicos do BNDES disponibilizados via Caixa. Anos mais tarde, o patriarca da construtora, Emílio Odebrecht, afirmaria, enquanto negociava sua delação premiada com a Lava Jato, que a arena fora "um presente" para o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva,
conhecido torcedor do Corinthians. "A Caixa está numa sinuca de bico,
porque ela que foi responsabilizada por não ter sido rigorosa com o
dinheiro no caso do Itaquerão", diz o advogado. "Agora precisa ser
durona em contrapartida. Está jogando para a plateia".
Em
22 de agosto deste ano a Caixa pediu a execução de 536 milhões de reais
contra a arena no bairro de Itaquera, na zona leste de São Paulo, por
conta de inadimplência no financiamento do estádio. O empréstimo foi
concedido sob quatro garantias: receitas com a bilheteria, cotas do
fundo que administra o estádio e a hipoteca do Parque São Jorge, o
centro de treinamento do Corinthians.
Outra garantia estava apoiada no patrimônio da Odebrecht Participações e
Investimentos (OPI), que pertence à holding da Odebrecht e está sob
recuperação judicial. Essa garantia, portanto, não é mais válida. Por
meio de nota o banco informa que continua aberto à conciliação com o
clube.
O Corinthians
afirmou, também por meio de nota, que ficou surpreso com a ação
judicial. Segundo o clube, o banco já recebeu cerca de 158 milhões de
reais amortizados da dívida, sendo que, destes, 80 milhões de reais
foram transferidos entre fevereiro de 2018 a agosto de 2019. O
Corinthians informa ainda que "continua aberto a voltar à mesa de
negociação", mas se o banco optar pelo confronto, vai se defender na
Justiça.
Os advogados consultados pela reportagem
acreditam que a conduta agressiva da Caixa contra a Odebrecht não tem
chance de prosperar antes da assembleia de credores, evento ainda sem
data ocorrer, mas que deve ficar para o próximo ano. O motivo é que o
plano da Odebrecht foi apresentado dentro do prazo e a qualidade da
proposta em si só pode ser debatida na assembleia. A iniciativa da Caixa
seria uma forma de exercer maior assertividade para cobrar as dívidas
da empresa. Mas, para outro advogado consultado pela reportagem, a
decisão do banco "foi bala de festim", utilizada para chamar atenção da
companhia, que está ignorando os apelos do banco em abrir canais de
negociação —em detrimento do que acontece com outras empresas que têm
como garantia papeis da petroquímica Braskem, que está fora do pedido de recuperação judicial.
Tom bélico
A
Caixa pede ainda que, caso a Justiça não determine a falência da
Odebrecht, ao menos destitúa os atuais administradores do grupo. O tom
bélico adotado pelo banco estatal não é o mesmo de outras instituições
financeiras que também apresentaram sua objeção ao plano de recuperação
da companhia. O EL PAÍS teve acesso aos documentos apresentados à
Justiça pelo BNDES, Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Banco do Nordeste e
Banrisul. Em comum, essas instituições desqualificaram o plano de
recuperação da Odebrecht,
especialmente no que diz respeito às garantias de pagamentos, já que a
companhia não deixou claro quais são essas garantias, nem como ou quando
pretende pagar os valores devidos. Além disso, o plano não prevê qual a
correção monetária e taxa de juros serão utilizados para compensar as
perdas. Algumas instituições chegaram a pedir a anulação do plano de
recuperação judicial, e esperam nova oferta para ir à mesa de
negociação.
Na batalha dos bastidores, aventa-se a
possibilidade de haver conflito de interesses na questão porque o
presidente da Caixa, Pedro Guimarães, é genro de Léo Pinheiro, sócio e ex-presidente da OAS,
construtora que também está em recuperação desde 2015, em situação hoje
mais crítica, e que nunca teve a falência solicitada pelo banco.
O
diretor-presidente da Odebrecht, Luciano Guidolin, afirmou em
comunicado interno, com objetivo de tranquilizar os integrantes da
companhia, que "é natural, no curso de uma recuperação judicial, que
credores apresentem recursos ou contestações". Segundo a nota, não cabe a
ao grupo "julgar publicamente as motivações negociais ou avaliar o teor
de agressividade de uma ou outra manifestação". A empresa afirmou ainda
que está em processo de negociação “construtiva” com os seus principais
credores e confia que o seu plano de recuperação será aprovado para a
preservação dos seus mais de 40.000 empregos —a companhia chegou a ter
cerca de 190 mil funcionários quando estava no auge. Na Justiça, o tom
da empresa foi bem mais forte. De acordo com a Folha de S. Paulo, a
empresa chamou de “irresponsável” a ofensiva da Caixa, a quem acusa de
trazer insegurança jurídica para os demais envolvidos. A empresa
argumenta ainda que a falência “seria catastrófica para o mercado, para a sociedade brasileira e para os seus credores.”
Questionada sobre o pedido de falência, a Caixa disse que não comenta processo pendente de decisão judicial.
conteúdo
Regiane Oliveira
Marina Rossi
Daniel Haidar
São Paulo
El País
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