No dia em que o país registrou 1.496.858 infecções pelo novo coronavírus e 61.884 mortes ocasionadas pela covid-19, o Ministério da Saúde apresentou os resultados do maior estudo epidemiológico sobre a doença já feito no mundo, realizado em parceria com a Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Os dados apontam que, de cada cem brasileiros que pegam a doença, um vai a óbito. Isso representa uma letalidade de 1,15% no país. Com 89.397 pessoas entrevistadas e testadas em 133 cidades de todos os Estados do Brasil, trata-se do estudo epidemiológico com maior número de indivíduos avaliados no mundo, afirmam os pesquisadores.
O estudo também põe em cifras a subnotificação da pandemia no país.
De acordo com os resultados, o total de pessoas com anticorpos para o novo coronavírus
é seis vezes maior que o número de casos notificados oficialmente.
Perguntado pelo EL PAÍS se essa subnotificação significa que o Brasil já
teria oito milhões de casos de covid-19, Pedro Hallal, professor da
UFPel que apresentou os dados nesta quinta-feira, explica que não
necessariamente. “Pode significar seis milhões, oito milhões ou dez
milhões de casos, mas isso depende da dinâmica epidemiológica dos outros
5.437 municípios que não entraram na análise”, explicou. Hallal
destacou ainda que um estudo similar realizado na Espanha detectou que,
lá, essa diferença era de dez vezes.
Os dados também
indicam que apenas 9% dos brasileiros que participaram da pesquisa foram
assintomáticos, ou seja, não apresentaram sintomas. “Não queremos
dizer que 91% das pessoas com covid-19 vão precisar de atendimento
hospitalar, mas que os sintomas aparecem, e isso é uma boa notícia para
detectar esses pacientes e impedir o avanço da doença”, explicou Hallal.
De acordo com o estudo, um dos principais sintomas é a alteração de olfato e paladar.
“Das 2.000 pessoas que testaram positivo na nossa pesquisa, mais de 60%
delas tiveram essa alteração, o que nos chamou muita atenção”, comentou
o professor. De acordo com ele, o estudo também mostrou que crianças são infectadas tanto quanto adultos, mas com “casos mais leves”, e que os mais pobres registram proporcionalmente mais infecções.
Infecções dobraram em um mês e meio
O
estudo revelou que a prevalência da covid-19 no grupo pesquisado dobrou
em apenas um mês e meio, saltando de 1,9% na primeira fase —realizada
entre 14 e 21 de maio— para 3,8% na terceira fase, entre 21 e 24 de
junho. Na prática, isso representou um aumento de 53% no número de
casos. No mesmo período, o distanciamento social caiu de 23,1% para 18,9% no país nos locais acompanhados pela pesquisa.
“O
momento de flexibilizar as medidas de isolamento é quando a curva de
contágios está descendente. Isso já acontece em algumas cidades do
país”, afirmou Pedro Hallal. Já o secretário-executivo do Ministério da
Saúde, Elcio Franco, lembrou que a decisão sobre essas medidas cabe aos
gestores locais. “O Ministério orienta que governadores e prefeitos
levem em conta fatores como a curva epidemiológica,
as necessidades econômicas de cada região, as características
socioculturais daquela população e a capacidade hospitalar para decidir
flexibilizar ou não o isolamento”, disse.
A
pesquisa revelou as diferenças no avanço da pandemia entre as diferentes
regiões brasileiras, principalmente com o acelerado aumento de casos no
nordeste entre as fases dois e três do estudo. Cinco em cada cem
nordestinos já foram infectados pelo novo coronavírus. Mas há casos como
o da cidade de Sobral, na região norte do Ceará, em que 26,4% da
população já teve covid-19, o que representa a maior prevalência da
doença verificada em todo o Brasil pelo levantamento. A região norte,
com 8% de prevalência, ainda concentra a maior parte dos casos,
e a região sul, com 0,4% de prevalência, tem o menor número. “Minha
hipótese é de que isso acontece porque, no começo da pandemia no país, a
população da região sul aderiu melhor às medidas de distanciamento
social”, afirmou Hallal.
Com três inquéritos
populacionais realizados a cada duas semanas, a pesquisa foi feita com
equipes do IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e
Estatística), que realizaram visitas domiciliares em todas as regiões do
Brasil, por sorteio. O trabalho enfrentou, no entanto, resistência de
gestores locais que, em quase 40 cidades, impediram os pesquisadores de
trabalhar. De acordo com a UFPel, eles aguardavam a autorização das
prefeituras “num processo burocrático que pode causar prejuízo aos
cofres públicos”. Devido a esse problema, a primeira fase da pesquisa
contou com apenas 90 cidades.
conteúdo
Joana Oliveira
São Paulo
El País
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