Para entender melhor o que está acontecendo na rua, imagine
que você é o presidente de um um país fictício. Aí você acorda um dia e
resolve construir um estádio. Uma “arena”.
O dinheiro que o seu país fictício tem na mão não dá conta
da obra.
Mas tudo bem. Você é o rei aqui. É só mandar imprimir uns 600
milhões de dinheiros que a arena sai.
Esses dinheiros vão para bancar os blocos de concreto e o
salário dos pedreiros. Eles recebem o dinheiro novo e começam a
construção. Mas também começam a gastar a grana que estão recebendo. E
isso é bom: se os caras vão comprar vinho, a demanda pela bebida aumenta
e os vinicultores do seu país ganham uma motivação para produzir mais
bebida. Com eles plantando mais e fazendo mais vinho o PIB da sua nação
fictícia cresce. Imprimir dinheiro para construir estádio às vezes pode
ser uma boa mesmo.
Mas e se houver mais dinheiro no mercado do que a
capacidade de os vinicultores produzirem mais vinho? Eles vão leiloar as
garrafas. Não num leilão propriamente dito, mas aumentando o preço. O
valor de uma garrafa de vinho não é o que ela custou para ser produzida,
mas o máximo que as pessoas estão dispostas a pagar por ela. E se muita
gente estiver com muito dinheiro na mão, essa disposição para gastar
mais vai existir.
Agora que o preço do vinho aumentou e os vinicultores estão
ganhando o dobro, o que acontece? Vamos dizer que um
desses vinicultores resolve aproveitar o momento bom nos negócios e vai
construir uma casa nova, lindona. E sai para comprar o material de
construção.
Só tem uma coisa. Não foi só o vinicultor que ganhou mais
dinheiro no seu país fictício. Foi todo mundo envolvido na construção do
estádio e todo mundo que vendeu coisas para eles. Tem bastante gente
na jogada com os bolsos mais cheios. E algumas dessas pessoas podem ter a
idéia de ampliar as casas delas também. Natural.
Então as empresas de material de construção vão receber
mais pedidos do que podem dar conta. Com vários clientes novos e sem ter
como aumentar a produção do dia para a noite, o cara do material de
construção vai fazer o que? Vai botar o preço lá em cima, porque não é
besta.
Mas espera um pouco. Você não tinha mandado imprimir 600
milhões de dinheiros para fazer um estádio? Mas e agora, que ainda não
fizeram nem metade das arquibancadas e o material de construção já ficou
mais caro? Lembre-se que o concreto subiu justamente por causa do
dinheiro novo que você mandou fazer.
Mas, caramba, você tem que terminar a arena. A Copa das
Confederações Fictícias está logo ali… Então você dá a ordem: “Manda
imprimir mais 1 bilhão e termina logo essa joça”. Nisso, os fabricantes
de material e os funcionários deles saem para comprar vinho… E a
remarcação de preços começa de novo. Para quem vende o material de
construção, tudo continua basicamente na mesma. O vinho ficou mais caro,
mas eles estão recebendo mais dinheiro direto da sua mão.
Mas para outros habitantes do seu país fictício a situação
complicou. É o caso dos operários que estão levantado o estádio. O
salário deles continua na mesma, mas agora eles têm de trabalhar mais
horas para comprar a mesma quantidade de vinho.
O que você fez, na prática, foi roubar os peões. Ao imprimir mais moeda, você diminuiu o poder de compra dos caras. Inflação é um jeito de o governo bater as carteiras dos governados.
Foi mais ou menos o que aconteceu no mundo real. Primeiro,
deixaram as impressoras de dinheiro ligadas no máximo. Só para dar uma
ideia: em junho de 2010, havia R$ 124 bilhões em cédulas girando no
país. Agora, são R$ 171 bilhões. Quase 40% a mais. Essa torrente de
dinheiro teve vários destinatários. Um deles foram os deputados, que
aumentaram o próprio salário de R$ 16.500 para de R$ 26.700 em 2010,
criando um efeito cascata que estufou os contracheques de TODOS os
políticos do país, já que o salário dos deputados federais baliza os dos
estaduais e dos vereadores. Parece banal. E até é. Menos irrelevante,
porém, foi outro recebedor dos reais novos que não paravam de sair das
impressoras: o BNDES, que irrigou nossa economia com R$ 600 bilhões nos
últimos 4 anos. Parte desse dinheiro se transformou em bônus de
executivo. Os executivos saíram para comprar vinho… Inflação. Em
palavras mais precisas, o poder de compra da maioria começou a diminuir. Foi como se algumas notas tivessem se desmaterializado das carteiras deles.
Algumas dessas carteiras, na verdade, sempre acabam mais ou
menos protegidas. Quem pode mais tem mais acesso a aplicações que
seguram melhor a bronca da inflação (fundos com taxas de administração
baixas, CDBs que dão 100% do CDI…, depois falamos mais sobre isso). O
ponto é que o pessoal dos andares de baixo é quem perde mais.
Isso deixa claro qual é o grande mal da inflação: ela
aumenta a desigualdade. Não tem jeito. E esse tipo de cenário sempre foi
o mais propício para revoltas. Revoltas que começam com aquela gota a
mais que faz o barril transbordar. Os centavos a mais no ônibus foram
essa gota.
Alexandre Versignassi

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