A temerária ação do Procurador Dallagnol contra
 o PP, cobrando mais de dois bilhões de reais daquele Partido, 
decorrentes de lesões ao erário, que ele assevera cometidas por filiados
 ao mesmo, certamente  abre a lista de um rosário de ações judiciais, 
que visam o extermínio dos partidos políticos no Brasil.
 Isso só foi 
possível “naturalizar”, como ação do Ministério Público Federal, após um
 exitoso  movimento da mídia tradicional, articulado com direita liberal
 orgânica – existente na burocracia do Estado e  na maioria dos partidos
 tradicionais – para criminalizar a política de forma radical. Por 
dentro da política democrática  e com o funcionamento normal das suas 
instituições, não conseguiriam fazer as suas reformas de desmonte do 
Estado, de terceirizações selvagens e de entrega do pré-sal.
A criminalização da política não se confunde 
com o combate a corrupção. O verdadeiro combate a corrupção se faz 
dentro da ordem jurídica, para que dele não redunde apenas uma troca de 
grupos de poder, como ocorre especialmente nas ditaduras, mas um 
conjunto de mudança culturais e institucionais, que reduza a margem de 
manobra de corruptos e corruptores na sua relação com o Estado, além de 
punir – dentro da lei – os que cometerem ilícitos penais comprovados.  A
 premissa da criminalização da política – com a sua devida 
espetacularização – abrigada na desculpa que isso “ajuda a combater a 
corrupção”, na verdade pretende é extinguir a confiança na democracia, 
expandir a “exceção” e fazer supor que o combate a corrupção não se 
identifica com o regime democrático, quando, na verdade os regimes de 
força, de qualquer origem, são sempre os mais corruptos e corruptores.
Como se faz a falsa identidade, entre “exceção”
 e combate à corrupção? O nazismo e o fascismo já mostraram como. 
Inicia-se apontando como criminosos, não indivíduos ou grupos concretos e
 determináveis, mas  toda uma comunidade indeterminada e abstrata, sem 
indicar concretamente os “delitos” que ela cometeu. Outorga-se a esta 
comunidade, ser portadora de um determinado “mal”: inimigos, espiões, 
corruptos, raça inferior, “deformados”, ladrões ou o quer que seja.  
Nesta indicação, as responsabilidades pessoais de cada indivíduo ficam 
 dissolvidas no “todo”, tornando-se, este “todo” -por inteiro- 
criminalizável, ao arbítrio da autoridade policial ou do encarregado de 
propor a ação penal. Os ciganos, judeus, comunistas, socialdemocratas, 
depois os homossexuais, democratas ou simpatizantes do regime 
democrático – tanto no nazismo como no fascismo – foram as vítimas mais 
evidentes desta metodologia da barbárie.
A responsabilização penal, nesta hipótese, 
passa a ser baseada no fato de que a pessoa é judia, comunista, 
democrata intransigente, cigana ou homossexual, não por ela ter cometido
 um delito qualquer.  O poder, nestas condições, pode “pinçar”, da 
comunidade já tida como “criminosa”, quem quiser, para punir e 
 responder por aquele “todo”. Pode punir, tanto “culpados”, como 
inocentes. No caso do Brasil, aquele indivíduo, sendo um “político”, a 
prova do crime já está feita. A política passou a ser, no imaginário 
popular, apenas uma forma refinada de delito. Ele – o político -, como 
categoria social, já foi criminalizado pela propaganda manipulada e pelo
 bombardeio da informação interessada, mesmo que não tenha cometido 
qualquer crime ao longo da sua vida pública.
A criminalização da esfera da política, como um
 todo, começou por pessoas do PT, foi para grupos do PT, depois chegou 
ao PT, como um todo. A seguir, transcendeu para outros partidos, 
passando para o PTB  e o PMDB, atingindo o PP e o PSDB, sempre com 
diferentes cargas de interesse investigativo, tanto da imprensa 
tradicional como das autoridades policiais e do MP.  O resultado foi a 
criminalização da esfera da política, combinada com a fixação, no poder,
 da mais notória Coalizão de Investigados e Denunciados (e agora também 
de presos) que já governou o país, que está nos levando ao desastre. A 
criminalização da política e a incriminação dos partidos – como 
instituições – cobra o seu preço. Tornou-se uma magnífica homenagem do 
Estado-polícia a quem realmente tem “culpa”, pois dá chance de unificar 
os culpados que foram bem punidos, com os inocentes, que tiveram as suas
 vidas destruídas pelos “vazamentos” seletivos e pelos métodos de 
“exceção”. Com a maldição lançada sobre os partidos e sobre a política, 
todos os políticos e todos os afeiçoados ou filiados aos partido, são 
devedores em fuga.
O professor Donaldo Schüller, no seu magnífico 
“Afrontar Fronteiras” (Ed. Movimento, 111), dá uma pista valiosa do 
porquê tudo isso pode acontecer, como se fosse “natural”, relembrando 
Heidegger, adepto do “Führerprinzip”. Tudo pode ser explicado 
racionalmente, dependendo do ponto de partida da razão. O filósofo 
justificou-se perante os aliados – para não ser condenado como criminoso
 de guerra –  que só apoiara os nacional-socialistas para “deter o 
avanço do comunismo”. A explicação foi aceita por algumas décadas e 
depois caiu por terra. Pergunta: por quanto será aceita a justificação, 
de que ações como estas interpostas por Dallagnoll, só tem por objetivo 
“combater a corrupção”?  Talvez por muitas décadas. Se o Supremo 
continuar admitindo que setores do Ministério Público sejam, de fato, os
 guardiões da Constituição, e assim os condutores político do país em 
crise, chegaremos ao tempo que Heidegger precisava para ser esquecido, 
como o Reitor que prestigiava a autoridade do nazismo para demitir os 
professores judeus. Que eram criminosos, porque eram judeus, portanto 
devedores em fuga.
Tarso Genro
Brasil 247

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