Copas do Mundo costumam ser um momento em que as pessoas, de uma hora
para a outra, passam a fazer uma análise crítica de si mesmas e de seu
país. Quando a seleção nacional vence, isso supostamente diz alguma
coisa também sobre o funcionamento da própria sociedade. No nosso caso, o
dos alemães, significa que a seleção é uma máquina bem azeitada, uma
obra-prima da engenharia – como uma Mercedes. Se ela vence jogando bem,
claro. Se, ao contrário, o caos domina a equipe, como nos jogos
contra o México e a Suécia, isso só pode ser um reflexo do caos político
que predomina na Alemanha. Como as carreiras do treinador Joachim Löw e
da chanceler federal Angela Merkel sempre correram em paralelo, é
simplesmente lógico que os seus próprios sistemas estejam agora, ao
mesmo tempo, caindo sobre suas cabeças. No Brasil parece não ser
muito diferente. Os grandes triunfos de 1958 e 1962 representavam,
claro, o "momento Bossa Nova", quando o país de repente ascendeu e
passou a ser percebido internacionalmente. Quando a Seleção cai de forma
inglória, o fracasso da equipe é um reflexo da disfuncionalidade de
toda a sociedade, como mostra a autodilaceração da sociedade brasileira
desde o 7 a 1 em Belo Horizonte. Nessas horas, jogadores de
futebol são o bode expiatório perfeito. Os jogadores da seleção alemã
que têm raízes no exterior sabem disso melhor do que ninguém. Quando as
coisas não andam bem, eles são os primeiros a serem criticados. Mais
ainda, passa a ser questionado até se eles deveriam fazer parte do
selecionado nacional, devido às suas raízes. No Brasil também se
pode observar uma discussão semelhante sobre supostos "traidores da
pátria". Quem ganha seus milhões no exterior tem mais chances de ser
visto como um "mercenário" que não se empenha com a paixão suficiente. A
paciência é maior com aqueles jogadores que defendem as cores do
próprio clube, jogando no Brasil. É difícil escapar desse dilema.
No nosso mundo globalizado, as Copas do Mundo substituíram as guerras.
Não é mais necessário conquistar outros países para satisfazer
sentimentos patrióticos – basta derrotá-los em campo para acalmar nosso
fervor nacionalista. Bola em vez de bala – o futebol é uma das melhores
conquistas da civilização. Porém, a coisa fica mais complicada
quando um grupo político se adona de um símbolo nacional, como a
amarelinha, e passa a monopolizá-lo. Foi o que aconteceu durante os
protestos contra a então presidente Dilma Rousseff, em 2015 e 2016. Usar
as cores do Brasil em oposição ao vermelho do PT é, claro, enviar a
mensagem de que apenas quem enverga a camisa da Seleção é um patriota e
de fato brasileiro. Todos os outros não são. Pior ainda, eles são
tachados de agentes estrangeiros. "A nossa bandeira jamais será
vermelha" era o grito de guerra daqueles protestos. Todos os outros
fariam melhor em se mandar para Cuba ou para a Venezuela, sua pátria de
fato, era a mensagem. O uso da amarelinha pelo movimento
#ForaDilma certamente colaborou para o interesse apenas morno pela atual
Copa do Mundo. Amigos meus que são de esquerda automaticamente
identificam pessoas que usam a amarelinha como "coxinhas" e, portanto,
"golpistas". Claro que também essa estigmatização automática é horrível e
simplista, mas ela reflete a polarização extrema da sociedade. E
o próximo degrau desse acirramento ocorre agora nas redes sociais,
depois que apareceram vídeos que mostram torcedores brasileiros vestindo
a amarelinha e ofendendo mulheres e jovens russos no país-sede da Copa.
Agora, além de "coxinha" e "golpista", quem veste a camisa da Seleção
corre o risco de ser também "machista" e "fascista". Um título
para o Brasil acabaria com a polarização entre esses dois lados que
parecem irreconciliáveis? Os dois lados poderiam se abraçar em paz com o
Brasil campeão? É algo desejável. Leio no jornal que, nos últimos dias,
a camisa azul da Seleção vendeu melhor do que a amarelinha. O azul é a
cor da paz, isso dá esperança de que os "amarelos" e os "vermelhos"
voltem a se entender – mesmo que seja de azul.
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