Joga-se pesado na campanha eleitoral brasileira. Nas redes sociais,
tanto a esquerda quanto a direita bombardeiam os eleitores com
informações tendenciosas e notícias falsas. E nessa luta quem está
levando vantagem é o candidato Jair Messias Bolsonaro, do PSL. Nesta
segunda-feira (15/10), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
determinou que ele retirasse seis postagens de suas contas no Facebook e
Youtube, todas dirigidas contra seu adversário no segundo turno da
eleição, Fernando Haddad, do PT. A acusação é de que, em seu
mandato como ministro da Educação (2005-2012), Haddad teria tentado
"incentivar o homossexualismo" entre alunos de seis anos de idade. Quase
todo brasileiro já conhece o "kit gay" que há dois anos Bolsonaro
brande como prova em vídeos e em aparições na TV. Agora, a poucos
dias do segundo turno, o TSE agiu. No entanto, seguem circulando boatos
de que o petista pretenderia legalizar o incesto e a pedofilia. Segundo
a mais recente pesquisa de intenção de voto do Ibope, ele está 18
pontos percentuais atrás de Bolsonaro. Como escreveu em seu blog, o
jornalista Kennedy Alencar atribui diretamente às fake news a grande impopularidade de Haddad. Antes
das eleições, o TSE declarara que pretendia investir duro contra as
notícias falsas. O juiz Luiz Fux ameaçou até mesmo excluir candidatos do
pleito. No entanto, na noite do primeiro turno, a ala bolsonarista
espalhou notícias que eram obviamente falsas, sobre supostas
manipulações de urnas, sem que houvesse quaisquer consequências. Segundo a Folha de S. Paulo,
Fux teria admitido internamente o fracasso do TSE. No momento, sua
sucessora, Rosa Weber, continua se empenhando para obter de ambos os
candidatos uma declaração sobre o banimento das fake news. "Eu
senti que o próprio tribunal não se preparou para isso", comentou à DW o
sociólogo Marco Aurelio Ruediger, chefe da Diretoria de Análise de
Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-DAPP). As
advertências que há anos ele vem fazendo caíram em ouvidos moucos. "Não
que o TSE não soubesse, acho que ele não quis acreditar no tamanho do
impacto." Diante da massa de publicações duvidosas, o Ministério
Público acaba de abrir um inquérito. "A lei eleitoral fala que contratar
alguém para difundir propaganda negativa na internet é crime", lembrou o
advogado Humberto Jacques de Medeiros ao portal UOL, segundo o qual
haveria uma verdadeira indústria por trás do fenômeno. A FGV
igualmente identificou um amplo emprego de bots, cujos rastros digitais
vão até a Venezuela e a Rússia. "O Brasil é um campo de disputa
ideológico. Não é só a direita, também é a esquerda", afirma Ruediger. A
única chance contra a produção em massa de notícias falsas seria
investigar os laços financeiros entre os comitês eleitorais e os
produtores, diz. Por outro lado, é muito difícil punir usuários que difundam fake news.
Eles podem sempre evocar o direito à livre expressão, ou alegar não ter
agido de má fé. Redes abertas, como Facebook, Twitter e Youtube, e
fechadas, como o Whatsapp, são as armas na luta pela legitimidade de
opinião. Pelo Whatsapp, as diferentes alas políticas mobilizam
seus adeptos e lhes fornecem material de propaganda, explica o diretor
da FGV-DAPP. "Mas quando o conteúdo do Whatsapp transborda para as
grandes redes, como Twitter, Facebook ou Youtube, toma uma outra
dimensão, porque vai ter uma difusão muito maior." Desde o
início, a ala de direita em torno de Bolsonaro mostrou-se
significativamente mais ativa no uso dos novos meios de comunicação, com
centenas de grupos de Whatsapp apoiando-a, por todo o país. Estudos da
Universidade Federal de Minas Gerias (UFMG) revelam que esses grupos
fechados foram os que mais difundiram notícias falsas. O que não está
claro é se foram organizados espontaneamente, por voluntários, ou se por
profissionais. Atualmente, Bolsonaro compete até mesmo com seu
ídolo político, Donald Trump, em termos de abundância de mensagens no
Twitter. Dispondo de poucas verbas e poucos horários televisivos para
spots eleitorais, ele concentrou praticamente toda sua campanha nas
redes sociais. E nisso tem sido exímio, restringindo-se às declarações
mais simples possíveis, visando diretamente os problemas mais prementes
dos brasileiros: desemprego, segurança e corrupção. "Os outros
acordaram tardiamente e não usaram isso muito bem", analisa Ruediger.
Superestimou-se o impacto dos comerciais de TV, ao mesmo tempo
negligenciando-se a internet, aponta o sociólogo. O séquito virtual de
Bolsonaro suplanta, de longe, o de seus opositores políticos. O
próprio candidato populista também é vítima das notícias falsas, que o
acusam, entre outros pontos, de pedofilia. Porém, entre seus seguidores
virtuais há grupos especializados em rechaçar os ataques rivais – coisa
de que a ala de Haddad está longe de dispor. A análise do FGV
atribuiu aos bolsonaristas o maior volume de desinformação, mas pondera:
"Não tem inocente, tanto a esquerda quanto a direita usam, uns usam com
muito mais eficácia que outros, uns usam com muito mais agressividade
que outros", explica Ruediger. A mídia tradicional sabidamente
aposta na checagem de fatos. No entanto, também no Brasil, a confiança
na imprensa decaiu rapidamente. Além disso, para muitos brasileiros,
lidar com o gigantesco fluxo de informação é algo novo. "É
importante as pessoas aprenderem a ter dois ou três canais para checar.
Infelizmente isso não acontece, porque elas têm preguiça, ou não são
letradas o suficiente para saber que se tem de checar", aponta Ruediger. O
resultado é a desconfiança generalizada e uma polarização cada vez mais
intensa entre os dois lados, que se insultam mutuamente de "fascistas" e
"comunistas". Há muito se tornou impossível um debate objetivo, voltado
para o conteúdo. "Construiu-se um discurso para amplificar o
ódio", conclui Ruediger. "O próximo governo vai se defrontar com uma
sociedade ainda mais polarizada."
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