Poucos dias após a eleição de Jair Bolsonaro para presidente da República, a oposição ao ultradireitista já começa a discutir que rumos tomar já a partir de agora. Publicamente todos demonstram intenção em formar uma frente ampla suprapartidária a favor da democracia, com a adesão dos mais diversos grupos e correntes ideológicas. Mas a realidade é um pouco mais difícil. Enquanto o Partido dos Trabalhadores (PT) ainda digere a derrota de Fernando Haddad no último domingo, parlamentares de três partidos, PSB, PCdoB e PDT, se reuniram para articular uma atuação em bloco na Câmara.
Paralelamente, Ciro Gomes, que ficou em terceiro lugar na disputa, vem fazendo fortes críticas a estratégia do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que impôs sua candidatura e passou o bastão a Fernando Haddad no último minuto, ao mesmo tempo que inviabilizava outras alternativas. Também admitiu que articula uma frente opositora de centro-esquerda no Congresso. Até aqui, a oposição parece se mover de modo a evitar protagonismo e hegemonismo do PT.
Sobre a formação de um possível bloco entre PDT, PSB e
PCdoB, o deputado Orlando Silva, líder do último partido na Câmara,
questiona: "Por que o PT tem necessariamente que estar dentro? O PT faz
parte do mesmo campo político, mas isso não quer dizer que nossa ação
parlamentar seja o tempo todo juntos". Ele explica ainda que a formação
do bloco não é uma aliança ideológica, mas "apenas uma articulação
parlamentar de bancadas que possuem afinidades" com o objetivo de
"qualificar a oposição, influenciar a formação da mesa da Câmara e
apresentar uma pauta para o legislativo". O atual momento, acrescenta,
"exige uma construção mais ampla, sem hegemonismo de ninguém".
Logo
após a derrota, a presidenta do PT, a senadora Gleisi Hoffmann,
declarou em entrevista que Haddad, por causa dos 47 milhões de votos que
teve no segundo turno, se habilitava a liderar a oposição em torno
dele. O PT foi também o partido que elegeu a maior bancada de deputados,
56, o que em tese lhe confere poder para liderar o bloco opositor. Mas a
estratégia hegemonista adotada pelo PT até aqui parece ter gerado mais
insatisfação do que adesão no campo progressista. Silva garante, porém,
que a articulação "não tem o objetivo de isolar ninguém", e que muitas
pontes ainda serão feitas. "Outras forças podem vir. Mas por que
obrigatoriamente tem que começar com o PT? Ele nem se colocou para
participar, por que tem que participar?", questiona. "Pode haver
diferentes polos de oposição, e este é apenas um dos polos".
Um movimento oposicionista alternativo ao PT também está sendo
endossado por Ciro Gomes, que ficou em terceiro lugar na disputa pela
presidência. A ideia, segundo disse a Folha de S. Paulo,
é que parlamentares do PSB, PSDB, PPS e até o DEM formem parte desse
bloco —não ficou claro se o PCdoB de Orlando Silva e de Manuela d'Ávila,
candidata a vice de Haddad, formaria parte dessa frente. "O objetivo é
ampliar a centro-esquerda. Eu imagino que o PSDB não vai querer se
associar ao PT e, pelo menos a parte mais sadia da sigla, não vai querer
se associar ao Bolsonaro. E por antipetismo vamos ficar longe deles?",
afirmou. Ele não rejeita por completo a participação de petistas, mas
acredita que uma frente articulada pelo partido seria uma "mentira da
burocracia petista". "Não excluo o PT. Apenas não podemos permitir que o
PT venha exercitar a sua fraude em cima desse momento tão crítico do
país", disse.Em entrevista ao mesmo jornal, afirmou ter sido "miseravelmente traído por Lula" e seus "asseclas", e que nunca mais faria campanha junto com o PT. Ciro se referia sobretudo ao fato de Lula ter esticado sua candidatura ao mesmo tempo que negociava a neutralidade do PSB de modo a esvaziar o palanque do PDT. O ex-candidato negou que já esteja se lançando a presidência em 2022 e se disse favorável a renovação. O EL PAÍS tentou entrar em contato com o candidato, mas até o momento não obteve resposta.
Diante das notícias, a candidata a vice de Haddad, a
deputada estadual Manuela d'Ávila, tuitou que o PCdoB já pregava desde o
início da campanha a confluência de forças progressistas. "Para mim,
este foi o erro original e mais importante frente ao qual todos os
outros são menores", explicou. "Esse momento, mesmo não tendo sido
suficiente para vencer, deu o recado e o caminho para todos nós: unidade
generosa, sem hegemonismo, sem estrelismo, todo mundo junto e igual",
acrescentou. Em clara referência as declarações de Ciro Gomes, d'Ávila
afirmou ainda que "buscar responsabilizar agora qualquer ator ou força
política, isoladamente, por nossa derrota é não compreender quem são
nossos adversários e os gigantescos interesses contra os quais
disputamos a eleição". O EL PAÍS também tentou entrar em contato com a
deputada, mas não obteve retorno.
Para o deputado federal Paulo Pimenta, líder do PT na
Câmara, os trabalhos da oposição já começaram nesta semana de modo a
evitar que "o consórcio Temer-Bolsonaro" já tente aprovar pautas que vão
contra "o interesse comum". Ele diz ainda que uma oposição de verdade
não pode ser construída sem o PT e PSOL, nem que "três pessoas sentadas
numa mesa vão decidir que são eles a oposição". Lembrou ainda que alguns
candidatos a governador pelo PDT apoiaram Bolsonaro no segundo turno e
mostrou desconfiança com relação às intenções do partido. "Eles vão ter
que decidir que papel vão cumprir, se vão querer ser uma linha auxiliar,
uma oposição propositiva. Que medidas pode ser apoiadas? Como alguém
vai apoiar o neofascimo?", disse ao EL PAÍS.
Entretanto, minimizou a reunião dos parlamentares
do PDT, PSB e PCdoB e afirmou que ela não significava um posicionamento
das direções nacionais desses partidos. Também garantiu que o PT não
busca hegemonia neste momento. "Acho que temos que reunir todos os
setores que lutaram em defesa de Haddad. Ele deve ter um papel
fundamental, mas não temos que falar em liderar, temos que trabalhar num
conceito mais horizontal", disse. O esforço, opina ele, deve ser
centrado na construção de uma frente ampla democrática que possa incluir
inclusive a centro-direita que se opõe a Bolsonaro. "Quem está querendo
discutir candidatura não entendeu nada", afirmou.
O papel do PSOL
Fora de toda essa articulação política está o PSOL, que
dobrou sua bancada, de cinco para dez parlamentares. "Para nós essa
articulação não causa estranhamento, porque sempre fizemos uma oposição
mais firme. E esse bloco quer fazer uma oposição mais moderada. Eles
mesmos estão falando isso", afirmou o deputado federal Ivan Valente. "Os
interesses não estão tão claros ainda, mas nós entendemos que é preciso
tomar cuidado ao mostrar um tipo de divergência que não cabe agora. O
importante é criar uma frente em cima de uma plataforma
antibolsonarista", acrescentou. Para ele, a articulação recente sinaliza
que uma tentativa de deixar o PT de fora, "o que é incorreto, uma vez
que mostra divisão política na oposição".
Ao mesmo tempo, se mostra confiante de que uma frente ampla
"se dê na prática", independente dos blocos ou polos de oposição. "Ela é
natural, porque existe convergência na oposição a uma agenda
ultraliberal e na área de segurança pública. Isso tudo é provisório,
porque vai vir a vida real, vai vir a pauta radicalizada, vai ter muita
coisa. Pode acontecer disputa por hegemonia, mas para disputar precisa
ter condições".
conteúdo
Felipe Betim
São paulo
El País
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