Nos últimos dias, veículos de comunicação do mundo todo contaram como um grupo de cientistas russos conseguiu reverter o tempo. Seria um pequeno passo para construir uma máquina que teria um valor incalculável para os nostálgicos, os arrependidos ou os insatisfeitos com o passado, mas a possibilidade de viajar para o ontem parece tão distante quanto parecia dez dias atrás.
A
maioria das leis da física não faz distinção entre avançar para o
futuro ou para o passado.
Se observarmos os movimentos de rotação do sistema solar,
as mesmas leis serviriam para explicar essas órbitas reproduzidas ao
contrário. No entanto, do nosso ponto de vista, o tempo é algo absoluto e
inexorável, que funciona do mesmo modo em todo o universo. Essa
percepção tem a ver com nossa compreensão intuitiva da segunda lei da
termodinâmica. Se uma taça de vinho cair de nossas mãos e se quebrar,
isso poderá nos irritar, mas não nos fará pensar que ficamos malucos.
Mas pensaríamos isso se as partes dessa taça, de forma espontânea,
voltassem a se unir para formar novamente um recipiente.
A segunda lei da termodinâmica diz que um sistema isolado
ou permanece estável ou muda para uma estado de maior desordem: as taças
quebradas não se reconstroem, um café em cima da mesa esfria em vez de
esquentar e os mortos não ressuscitam. O normal é que o universo avance
para o caos e nessa intuição se baseia nossa ideia de um tempo absoluto.
No entanto, essa lei não é inviolável, e reconhece que o processo
inverso, embora improvável, não é impossível.
Com essa ideia em mente, um grupo de pesquisadores sob a
liderança do Instituto Moscovita de Física e Tecnologia calculou as
probabilidades de que um único elétron violasse essa segunda lei da
termodinâmica de forma espontânea, retornasse a um estado anterior e, de
alguma forma, viajasse para o passado. Seus resultados indicam que se
fossem observados 10 bilhões de elétrones a cada segundo durante os 13,7
bilhões de anos de vida do universo, o fenômeno só aconteceria uma vez,
e mesmo neste caso, a partícula viajaria apenas um bilionésimo de
segundo para o passado.
Em outro experimento, os cientistas utilizaram um computador quântico da IBM
para “enviar um elétron ao passado”. Mas na verdade a operação se
parece mais com uma simulação computacional do que com Marty McFly
viajando aos anos 1950 para salvar o casamento de seu pai. Como explica o
pesquisador do Instituto de Física Teórica (IFT) de Madri Germán
Sierra, “os autores desse trabalho propõem que na mecânica quântica é
possível projetar um algoritmo que inverta a direção do tempo de um
determinado estado quântico, e ilustram isso usando o computador
quântico da IBM com 5 qubits”. Para conseguir, simulam uma operação que
muda o sinal da fase da função de onda que descreve o estado do sistema.
Essa intricada operação “consiste em voltar no tempo na mecânica
quântica”, assinala Sierra.
Mesmo no caso de que o que foi conseguido tivesse alguma
relevância para a viagem no tempo, os autores do trabalho, publicado na
revista Scientific Reports, obtiveram seus resultados
representando uma situação artificial que só funciona no estreito campo
do experimento. “O problema é que a operação que esses autores constroem
é ad hoc, ou seja, ela depende do estado escolhido e viola o
princípio de superposição de estados, que é fundamental na mecânica
quântica”, acrescenta Sierra. “Em termos matemáticos, a inversão do
tempo na mecânica quântica é uma operação antiunitária, e eles a
realizam por meio de uma transformação unitária, algo que só pode ser
feito para um determinado estado, mas não para todos os estados do
sistema.”
Além das críticas às conclusões pouco fundadas que
podem ser tiradas dos resultados da equipe, alguns pesquisadores
consideraram estranho que o próprio título do artigo científico destaque
que o experimento foi feito com um computador específico da IBM, o
primeiro computador quântico comercial. “Se você está simulando em seu
computador um processo no qual o tempo é reversível, então pode inverter
a direção do tempo simplesmente invertendo a direção de sua simulação”,
afirmou o diretor do Centro de Informação Quântica da Universidade do
Texas em Austin (EUA), Scott Aaronson, na MIT Technology Review. “Depois
de uma rápida olhada no artigo, confesso que não entendo por que isso
se torna mais profundo se a simulação é realizada no computador quântico
da IBM”, ironizou Aaronson. “O artigo é correto e sugestivo, mas não
acredito que represente um avanço fundamental”, avalia Sierra. “E também
não entendo por que coloca ênfase no computador da IBM, que para fazer o
que eles fizeram não é necessário”, conclui o pesquisador do IFT.
O passado está mais distante do que o futuro
A ideia de uma “máquina do tempo” se tornou popular graças
ao romance assim intitulado que H. G. Wells publicou em 1895, mas foi Albert Einstein
que, a partir de 1905, começou a oferecer ferramentas intelectuais que
permitiam especular sobre uma viagem no tempo no mundo real. Segundo a
teoria da relatividade especial, o tempo passa mais rapidamente ou mais
lentamente dependendo da velocidade relativa com que alguém se move em
relação a qualquer outra coisa. Se uma pessoa partir da Terra em uma
nave que viaje à velocidade da luz, envelhecerá muito mais lentamente do
que um amigo que fique na Terra.
O físico alemão entendeu que o agora é local, e a ideia de
um tempo absoluto, que era aceita como norma desde Isaac Newton, foi
desmantelada ainda mais quando a teoria da relatividade geral mostrou
que a gravidade faz com que o tempo se curve. Esse fenômeno, em sua
versão mais extrema, faria com que o tempo de outro viajante espacial
orbitando perto de um buraco negro parecesse parar. Embora não para ele.
O explorador teria a sensação de envelhecer no mesmo ritmo de sempre,
mas quando voltasse para casa poderia ver que aqui o tempo tinha passado
muito mais rápido e todos seus seres queridos já estariam mortos ou
muito mais envelhecidos do que ele.
Isso, de algum modo, seria parecido com uma viagem ao
futuro, mas a percepção do viajante seria bem diferente da de utilizar
uma máquina para dar saltos no tempo. A teoria de Einstein também
permite, em princípio, viajar ao passado através do espaço-tempo,
circulando por túneis abertos nesse tecido espaço-temporal, mas muitos
duvidam que essa possibilidade não seja fruto de alguma falha na própria
teoria. Por enquanto, teremos de continuar vivendo com cuidado, porque
voltar no tempo para consertar nossos erros pretéritos parece um sonho
muito distante.
Por que um elétron não pode levar uma multa de trânsito
Basicamente, os físicos têm duas ferramentas para entender como funciona o universo. Nas grandes escalas, as das estrelas, dos planetas
e, em geral, do mundo que percebemos a olho nu, a teoria da
relatividade geral funciona perfeitamente. A coisa se complica quando
descemos às escalas microscópicas. Para entender o comportamento
estranho de partículas como os elétrons é necessária a mecânica
quântica, que explica um mundo com o qual não temos relação direta e é
muito pouco intuitivo para nós.
Uma forma de entender a diferença entre os dois mundos é
oferecida por Germán Sierra com uma piada. Para que o departamento de
trânsito nos multe quando cometemos uma infração ao dirigir, é
necessário que ele tenha uma foto na qual se possa ver onde estamos e
com que velocidade vamos. Como no nosso caso se aplica a física de
Newton, podemos levar a multa, mas isso não acontece com os elétrons.
Com eles, regidos pela mecânica quântica, seria preciso escolher entre
saber sua velocidade ou sua posição, algo que tornaria impossível
passar-lhes uma multa de trânsito. O exemplo mostra as diferentes regras
que afetam os dois mundos e explica por que, às vezes, as explicações
populares sobre a física quântica, apoiadas em metáforas baseadas no
mundo real, podem ser confusas.
A mais famosa dessas metáforas é o experimento mental
proposto por Erwin Schrödinger em 1935. Nele, um gato foi colocado em
uma caixa de aço juntamente com uma pequena quantidade de material
radioativo. A quantidade era tão pequena que só havia 50% de
possibilidades de que durante a hora seguinte um dos átomos se
desintegrasse. Se isso ocorresse, seria ativado um mecanismo que
encheria a caixa de ácido cianídrico e o gato morreria.
De acordo com os princípios da mecânica quântica, durante o
período que durasse o experimento, o gato estaria vivo e morto ao mesmo
tempo, resultado de um fenômeno conhecido como superposição. No
entanto, essa circunstância mudaria quando abríssemos a caixa para
acabar com a incerteza. Nesse momento, de volta à realidade da física
clássica, o gato estaria ou vivo ou morto. Na verdade, o gato fazia o
papel de uma partícula microscópica à qual se aplicam regras diferentes
das aplicadas para um animal. Um gato jamais estará vivo e morto ao
mesmo tempo.
conteúdo
Daniel Mediavilla
El País
Nenhum comentário:
Postar um comentário