O negócio da nostalgia



O vinil voltou. Os fliperamas também. O retrô faz sucesso nas bilheterias, e as companhias telefônicas e de videogames relançam seus modelos simbólicos. A geração criada nos anos oitenta e noventa quer relembrar sua infância, e a indústria da recordação se transformou em uma poderosa ferramenta de marketing da qual poucos escapam.

Algo paira no ar em frente à sala 25 do Kinépolis da Cidade da Imagem de Madri. Algo que transforma em crianças as centenas de adultos que estão no local. Explicaria por que é possível ver homens de 40 anos que esperam sentados em minúsculos bancos de jardim da infância que lhes pintem o rosto com tinta colorida. Senhores que se vestem de monstros. Senhoras que lutam com espadas luminosas. Pais e mães que fazem fila para entrar em um sorteio. Se tiverem sorte, podem ganhar uma nave de brinquedo.
A estreia de Han Solo: Uma História Star Wars une a todos. A saga galáctica estruturou grande parte da infância dessas crianças de mais de 30 anos e a substância que envolve o ambiente do Kinépolis se nutre de seu desejo de reviver essa infância. Isso se chama nostalgia e nos últimos anos se transformou em uma poderosa estratégia de marketing.
José Antonio Moreno caminha se esquivando de soldados de Exército Imperial pelo saguão do cinema. Está com um walkie-talkie nas mãos e um crachá no pescoço que o assinala como um dos organizadores do evento para fãs de Star Wars, organizado por eles mesmos. A saga o conquistou quando era criança. Completou 44 anos e hoje em dia não passa 24 horas sem pronunciar o nome do universo criado por George Lucas. Conta que a história o prendeu tanto porque mistura heróis e vilões sem que os bons sempre vençam: “Estou absorvendo isso desde pequeno e continuo igual. A única diferença é que agora trabalho, tenho dinheiro e posso comprar as coisas que quis ter quando criança e não pude e que cheguei a ter, mas perdi”. Moreno tem a pele escura, o cabelo um pouco grisalho. Veste calça jeans e uma camiseta castanha cobre seu torso corpulento. Comparece de novo ao lançamento de Star Wars, mas dessa vez sem sentir no estômago o nervosismo habitual das estreias. Para explicar por que, exibe seu crachá em uma mão e na outra mostra a foto que aparece nela, a mesma que, 20 vezes maior, se vê impressa em sua camiseta. “Esse é nosso Han Solo. Harrison Ford. Criou o personagem do nada. O outro é um impostor. Se não é ele, não é a mesma coisa. Nós o idealizamos”. Os fãs da saga que têm mais de 30 anos não suportam as mudanças e as interpretações livres. Nada que seja diferente da lembrança forjada em sua infância. Nada que não alimente sua saudade. A Disney sabe e fez questão de mostrar durante a divulgação. Era arriscado anunciar o filme com o ator que agora interpreta o jovem Han Solo, por isso o rosto visível da campanha foi Chewbacca, o único personagem que continua sendo o mesmo aos olhos do espectador. Mas a estratégia não funcionou e o filme se transformou em um dos filmes da saga de menor arrecadação, e a Disney parou de repente, pouco depois, outros spin-off que estavam previstos. Seu erro: decepcionar a recordação.
Han Solo: Uma História Star Wars não foi o único filme a utilizar a saudade para ganhar dinheiro na bilheteria. Nos últimos anos, os remakes, prequelas, sequelas e reedições são contados às dezenas: T2 Trainspotting, A Bela e a Fera, Power Rangers - O Filme, Alien: Covenant, It: A Coisa, Blade Runner 2049, Jumanji: Bem-vindo à Selva, Tomb Raider: A Origem, Halloween, O Retorno de Mary Poppins... Em 2015, o Episódio VII de Star Wars se transformou no filme de maior bilheteira do ano com uma arrecadação de mais de 2 bilhões de dólares (8 bilhões de reais). O Episódio VIII foi o mais rentável de 2017 e Jurassic World: Reino Ameaçado entrou na terceira posição de 2018, os dois com mais de 1,3 bilhão de dólares (5 bilhões de reais). Mas as ondas oitentistas também impregnam trabalhos de nova criação. Steven Spielberg as disparou em Jogador Nº 1 e contribuíram para o sucesso da série da Netflix Stranger Things. A nostalgia vende porque o público gosta de lembrar. Por isso, seu segredo está na primeira parte de sua etimologia: nostos, do grego, que significa retorno. Retorno ao passado de cada um. “Funciona porque nos faz reviver momentos e experiências que são parte importante de nossa vida, toca um aspecto muito sensível das pessoas. Isso se transformou em um filão impressionante porque o que funciona bem no marketing é aquilo capaz de se conectar com o consumidor além da compra racional. E aqui entra em ação o sentimento”. Quem diz é Beatriz Navarro, diretora de marketing e comunicação da Fnac Espanha. Acrescenta que a nostalgia tem o poder de alcançar e se conectar com duas gerações. Seus potenciais clientes são adultos criados nos anos oitenta e noventa, que se divertem voltando às suas lembranças de infância e que agora também têm poder aquisitivo para comprar aquilo que contribuiu para que tivessem uma infância feliz. Mas as novas gerações também se sentem atraídas pelos produtos retrô. Olham para trás, porque seus pais os encorajam a ver e descobrir os produtos culturais e sociais que fizeram parte de sua juventude, e porque aquela tecnologia que não vivenciaram é uma novidade para eles. As empresas perceberam esse poderoso alcance e se apressam em explorá-lo.
Tudo parece revestido de nostalgia. Navarro coloca uma exceção: as televisões. “Ainda não aconteceu de lançarmos aqueles aparelhos grandes e antigos. De resto, praticamente todas as categorias culturais estão muito bem representadas e têm vendas importantíssimas”. A Adidas apostou pela estética oitentista recuperando seu antigo logo e design para a linha Adidas Originals, dedicada exclusivamente aos seus modelos vintage. O Comedy Central organizou em 2018 em Madri uma exposição com os acessórios da série Friends que em 48 horas vendeu 4.500 ingressos. A revelação está de volta na fotografia, a Polaroid relançou com sucesso vários modelos de câmeras instantâneas. E em 2016 a Nintendo colocou à venda um console em homenagem ao seu produto simbólico do final dos anos oitenta: o NES Classic Mini.
Navarro lembra que o lançamento provocou uma enorme agitação. “As reservas se esgotaram antes de sua saída. Tivemos grandes problemas de estoque e foi o produto mais procurado do Natal. Era preciso trazê-lo de todas as partes do mundo porque não existiam opções para comprá-lo. A demanda foi uma surpresa para própria marca”. Em 2017 a Nokia atualizou o modelo 3310, com o qual atinge toda uma geração que passou metade da tarde enviando mensagens aos amigos e a outra jogando o jogo da serpente. Também em 2017 a Nintendo repetiu o sucesso com uma versão mini de outro de seus modelos: o SNES Classic. Os dois lançamentos mini da empresa têm mais de 13 milhões de vendas, acima dos números dos outros consoles modernos. E em 2018 a Sony entrou na moda relançando uma versão reduzida do primeiro PlayStation, com 20 jogos dos anos noventa na memória. A demanda de videogames retrô aumentou tanto que a Fnac experimentou instalar um fliperama no saguão de sua loja de Callao. “Vale mais de 1.500 euros (6.500 reais) e tem jogos como Tetris e Pac-Man. Muitos vêm jogar um pouco, mas também existem os que, se têm espaço e dinheiro, compram a máquina. Fez tanto sucesso que também a incluímos em todas as lojas de Barcelona e em Madri acabamos de colocar uma na Praça Norte”.
O renascer das máquinas de fliperama começou há seis anos. Eduardo Álvarez percebeu primeiro nos preços. Essas máquinas deixaram à época de ser trastes velhos que acumulavam poeira na casa de antigos donos de casas de jogos falidas e se transformaram em objetos desejados pelos nostálgicos. Álvarez trabalha na área de tecnologia, mas dedica seu tempo livre a colecionar e consertar máquinas antigas. Com um grupo de amigos, montou o salão de jogos Arcade Planet, em Dos Hermanas (Sevilha). No começo tinham poucas máquinas nas quais eles jogavam e agora possuem quase uma centena, cobrando 10 euros (40 reais) de entrada para cobrir gastos de licença e manutenção. Às 17h30 de um sábado, meia hora antes da abertura da casa, Álvarez vai ligando as máquinas, que bocejam uma confusão de sinfonias oitentistas. E começa a entrada constante de jogadores. É fácil encontrar entre eles os dois tipos de público contaminados pela febre retrô. Do primeiro fazem parte três garotões de 30 anos que apertam seus traseiros de adulto em um banco diminuto para competir entre eles. Vieram relembrar a época em que, com um punhado de moedas de 25 pesetas (a moeda da Espanha até 2002, quando foi substituída pelo euro), passavam a tarde em um local como esse. Do segundo, dois irmãos de 10 e 14 anos que jogam com pistolas de plástico. Eles são movidos pela curiosidade. A primeira vez que viram uma máquina de fliperama foi no filme Pixels e os atrai porque oferece a eles possibilidades que não encontram em seus celulares. Por exemplo, segurar a arma com a qual disparam e dirigir girando um volante de verdade. Gostam do físico do jogo: “Em minha casa não tenho isso de jeito nenhum”. Mas revelam a idade tentando selecionar o personagem tocando a tela com o dedo indicador.
Todas as máquinas do salão de Dos Hermanas parecem retrô. Quase todas são, com uma exceção impossível de se identificar em um primeiro olhar. Próxima ao Pac-Man descansa uma vermelha pequeninha. Foi construída em 2015, mas tem uma abertura para se inserir pesetas, um joystick dourado, quatro botões vermelho-vivo e tela de televisor antigo. Seu jogo é o Maldita Castilla, criado pelo programador espanhol Locomalito, e tem como protagonista uma figura em pixels de um cavaleiro de La Mancha que avança aos saltos. A proposta lembra as primeiras versões de Mario Bros, mas foi elaborado e desenvolvido em meio a um avanço tecnológico que permite gráficos e movimentos espetaculares. Mas a estética oitentista vende e esse jogo vintage conseguiu ser lançado em consoles tão modernos como o Xbox One, PlayStation4 e Nintendo Switch. Álvarez também começa a ter lucros com os fliperamas. Além da sala de jogos, recebe ofertas de empresas que pedem as máquinas para seus negócios: “Chegou um momento em que acho que posso ganhar a vida com o que realmente gosto. E se posso me dedicar a isso é porque o retrô está voltando. Parecia uma moda, mas estamos vendo que se consolida, cada vez mais”. E enquanto o fliperama tenta superar o degrau de moda passageira, o vinil já parece ter conseguido.
Andreti Colombo, colecionador de 56 anos, mora em Barcelona e esconde no porão de sua casa uma capela particular. No centro se ergue um altar com quatro vitrolas e, diante dele, o banco aos fiéis: um sofá pardo e confortável. Nesse local não entra luz natural porque em suas paredes não há espaço para janelas. O que dá cor aos seus muros são mais de 9.000 vinis colocados em fileiras horizontais. Nessa ermida Colombo realiza seu ritual melômano. De pensamento rápido, para ele é inevitável colocar trilha sonora à conversa. Na metade das frases um disco vem à sua mente. Com a ponta dos dedos, o procura. E o coloca. Escuta a música por alguns segundos. E continua. Coleciona discos desde os 13 anos, viveu sua época de ouro, seu declínio e agora seu renascer. “Nos anos noventa o vinil esteve praticamente morto. Somente os grandes artistas editavam músicas curtas nesse formato”. De fato, o vinil vende mais hoje do que durante aquela década. E a cada ano aumenta seus números. Em 2017 foram comprados mais de 42,3 milhões de novos discos de vinil em todo o mundo, 36,6% a mais do que em 2016, segundo a Federação Internacional da Indústria Fonográfica. “Também começam a ser vendidas vitrolas e amplificadores. Voltou. Há um auge do vinil. Como prefere um livro? Lê-lo no papel ou digital? Isso é parecido. As experiências são completamente diferentes”. O auge de que fala Colombo é confirmado por Navarro na Fnac: “Estamos trabalhando com o formato há cinco ou seis anos, mas o boom veio há três. Começou de maneira bem discreta em nossas lojas e agora ocupa praticamente o mesmo espaço dos CDs. Temos um catálogo que supera as 20.000 referências e incorporamos um serviço de importação. Já é um quinto da venda de música e em algumas lojas ocupa uma extensão de quase 50% da superfície total destinada à música”.
Mas a nostalgia não é nova. O termo foi criado por Johannes Hofer no século XVII. O médico suíço observou que os soldados experimentavam sintomas estranhos durante as campanhas militares de longa duração, mas que atenuavam quando voltavam para casa. Deu o nome ao fenômeno procurando no grego antigo o substantivo nostos (regresso) e o sufixo algia (dor). O psiquiatra e psicanalista Cecilio Paniagua diz: “É um sentimento misto que dá felicidade porque está associado a experiências prazerosas, mas sempre ligado ao desgosto de não possui-las agora. A coisa se complica porque essas recordações prazerosas não obedecem a uma fidelidade histórica”. A mente as idealiza. Os militares suíços desejavam seu lar porque estavam longe dele e podiam fantasiar com a volta. Mas um livro, uma série e uma música podem ser acessados com facilidade. Por que então sentimos nostalgia de um produto cultural? Paniagua acrescenta: “Nesse caso, o que se associa a um filme e um objeto é mais importante do que o fenômeno em si. A música, por exemplo, é ligada imediatamente a momentos concretos de nossa vida. Não nos interessamos somente pelos Beatles, nos importa como nos sentimos quando escutamos essa música, com quem estávamos... E ainda que o referente seja o mesmo, as associações variam individualmente. Mas têm em comum o sentimento de felicidade, de gozo, de exaltação. Se além disso é referendado pela reposta de outras pessoas, dá uma etiqueta de objetividade a nosso prazer”.
Também não é novidade que o marketing recorra ao passado dos consumidores para aumentar as vendas. O que acontece agora é que os astros se alinharam para que seja mais efetivo do que nunca. David Corominas, sociólogo colaborador da pós-graduação em Consumo e Comércio da Universidade Complutense de Madri, contextualiza o fenômeno: “A geração criada no Ocidente nos anos oitenta e noventa é global e homogênea. Também muito numerosa. Em meados dos oitenta explode o processo de consumo; encontramos, portanto, muita gente que agora divide as mesmas referências. Todos nós víamos as mesmas séries, as mesmas propagandas, os mesmos programas. É efetivo recorrer a eles porque o que for lançado tem alta probabilidade de fazer sucesso”. O que também acontece é que esse geração tem uma capacidade de registro enorme. A tecnologia, acrescenta o sociólogo, fornece e aperfeiçoa ferramentas que permitem tirar fotos, gravar música e vídeo. “Nos anos setenta o que se via na televisão desaparecia imediatamente, mas nos oitenta chega toda uma maquinaria industrial da lembrança que vai se sofisticando. Isso faz com que tenhamos muito mais presente nosso passado e que gostemos de voltar a ele”. Mas no final dos anos noventa o formato de consumo mudou e foi de querer alcançar a maior quantidade de pessoas a centrar o tiro em grupos menores, mas mais interessados. “Quando você tem o púbico consumindo os mesmo produtos pensa: como posso vender mais? Segmentando. Já não somos grandes coletivos, somos microcoletivos”. No futuro, prevê Corominas, a nostalgia precisará brigar com muito mais força com outras variáveis. Talvez um salto de geração sentencie sua data de validade, mas por enquanto vive seu melhor momento.


conteúdo
Virginia López Enano
El País

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