O mais recente balanço do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
(Ibama) sobre o vazamento de óleo nas praias do Nordeste, divulgado
nesta terça-feira (22/10), indica a ocorrência de manchas e vestígios em
204 praias, distribuídas em 78 municípios de nove estados: Alagoas,
Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e
Sergipe. Até o momento, a origem do maior desastre ambiental já
registrado na costa brasileira é desconhecida, e ainda não é possível
apontar responsáveis. À medida que as manchas de óleo se alastram,
somam-se críticas à maneira como o governo vem lidando com o desastre. Para
especialistas ouvidos pela DW Brasil, a resposta do governo tem sido
precária. Uma evidência disso seria a falta de condições básicas para
dar suporte aos mutirões voluntários da população local nas praias do
Nordeste. Nesta quarta-feira, a Polícia Federal solicitou ao governo 50
mil luvas e 10 mil botas. Embora critiquem a falta de ação do
governo atual ante o desastre, os analistas apontam que o problema
central é a falta de preparo no longo prazo para lidar com situações
desse tipo, especialmente em um país que explora, produz e transporta
petróleo em alto mar. Na última década, os estados produtores
foram inundados com royalties referentes a essa atividade, mas pouco ou
nenhum recurso foi investido na prevenção de acidentes – real finalidade
dessa contrapartida financeira. "As soluções que buscam mitigar
os efeitos de eventos trágicos como este devem sair de iniciativas com
pró-atividade, e não reatividade", avalia o meteorologista Luiz Paulo
Assad, coordenador do Núcleo de Modelagem Ambiental na Coppe/UFRJ, o
Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, com uma simulação de computador. "Está
mais do que na hora de podermos desenvolver efetivamente um sistema
nacional integrado de identificação e monitoramento de óleo no mar, para
que estejamos preparados para dar respostas à sociedade em eventos como
este. Temos expertise e conhecimento de métodos para isso", assegura. A
pedido da Marinha, Assad e o pesquisador Luiz Landau, coordenador do
Laboratório de Métodos Computacionais em Engenharia, cruzaram dados
meteoceanográficos com o mapa de manchas de óleo encontradas na costa
nordestina. Pela inversão do sentido temporal do modelo rodado em
computador, a partir dos pontos de destino do óleo fragmentado, os
pesquisadores chegaram a uma estimativa sobre a origem do material
poluente: uma área entre 600 quilômetros e 700 quilômetros da costa
brasileira, numa faixa de latitude com centro entre Sergipe e Alagoas.
Agora, os cientistas se dedicam a analisar os prováveis destinos do
óleo. Berçários do mar ameaçados Enquanto
isso, as manchas continuam a se espalhar. Mais do que prejudicar a
economia da região, por afetar o turismo e a atividade pesqueira, o dano
à vida marinha deverá ser trágico. O oceanógrafo David Zee,
professor na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), explica que
a área afetada até aqui compreende uma extensão de aproximadamente
2.355 quilômetros de costa. Dessa porção, cerca de 1.200 quilômetros
abrigam manguezais e recifes de corais, biomas extremamente sensíveis. "Temos
um dilema. Se essa borra de óleo encosta no recife e gruda, a melhor
alternativa é deixar como está. O produto dispersante é muito mais
venenoso para a vida marinha do que o próprio óleo cru. É como um
chiclete grudar no cabelo, a única forma de tirar é arrancar. Como
queremos preservar o ecossistema, o melhor é deixar como está", expõe o
pesquisador. Nesse caso, o óleo poderia permanecer nos recifes e
manguezais por um período de 20 a 40 anos, tempo que leva para se
decompor. Como os ecossistemas marinhos são muito integrados, o impacto
se estende à toda a cadeia desses biomas. "Os recifes são os berçários
do mar. É onde a vida tem proteção, abrigo e alimento para a
procriação", comenta Zee. A principal medida para evitar o avanço
do óleo e proteger esses pontos sensíveis tem sido a utilização de
barreiras de contenção. Governadores do Nordeste têm cobrado do governo
federal a compra de novas estruturas. Em nota técnica recente, no
entanto, o Ibama afirma que as barreiras podem ter um efeito reverso em
áreas que já estão contaminadas, impedindo a depuração natural do
ambiente. Anna Carolina Lobo, gerente do Programa Marinho da
organização internacional WWF, explica que há protocolos internacionais a
serem seguidos em desastres desse tipo, extraídos de acordos dos quais o
Brasil é signatário. "É fundamental a identificação do óleo,
para identificar de onde vem e acionar o responsável para arcar com
recursos financeiros para a mitigação emergencial dos impactos. Além
disso, tem que haver o treinamento das comunidades e pessoas que vivem
na costa para lidar com um problema desse tipo, bem como a compra de
equipamentos de proteção individual para as pessoas que atuam nos
mutirões", detalha. Os procedimentos descritos já foram adotados
em outros episódios de vazamento de óleo no mar, como o do poço de
Macondo, no Golfo do México, em 2010, e o do navio Exxon Valdez, no
Alasca, em 1989. No entanto, nestes e em outros casos, a fonte do
vazamento era conhecida. Criticando a inanição do governo
brasileiro, a porta-voz do WWF acrescenta que também seria fundamental
uma ação coordenada entre Marinha, Ibama, Ministério do Meio Ambiente e
Agência Nacional do Petróleo, para lidar com o caso na urgência
requerida. "É um cenário caótico. A gente nunca ouviu falar de algo
semelhante ocorrido em outro país que passou por isso", afirma. Receio sobre os leilões do pré-sal Na
última sexta-feira, o presidente Jair Bolsonaro ventilou a
possibilidade de o vazamento de óleo ter sido cometido intencionalmente
para prejudicar o megaleilão da Cessão Onerosa de áreas do pré-sal da
Bacia de Santos, a ser realizado no dia 6 de novembro. O leilão é
considerado essencial para as contas do governo, já que as expectativas
oficiais mensuram um bônus de arrecadação de R$ 100 bilhões. No dia
seguinte, será realizada a sexta rodada de leilão do pré-sal. Há uma grande expectativa do governo e de investidores sobre como o desastre poderá impactar os novos leilões.
Na última edição, em outubro, os quatro blocos da Bacia de
Camamu-Almada, localizados no Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, não
receberam nenhuma oferta de petroleiras. A região detém a mais rica
biodiversidade do Atlântico Sul. A insegurança dos investidores
se deveu à sensibilidade ambiental da região, mas também à experiência
recente da empresa francesa Total, que adquiriu cinco blocos
exploratórios na Bacia da Foz do Amazonas em 2013, no Amapá, mas até
hoje não obteve a licença do Ibama para perfurar na região. Na ocasião, o
Greenpeace anunciou a existência de um recife de coral naquela área.
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