Amanhontem

Não importa o que aconteceu/acontecerá amanhontem. Independente do resultado da votação, perdemos, porque quem votou foram os réus. Perdemos porque entregamos o futuro do país nas mãos do pior congresso da história. Perdemos porque acreditamos numa desratização comandada pelos ratos.

Perdoe, leitor, esse pobre cronista que vos escreve de um passado remoto. Esse é um dos problemas do jornal: tudo o que você está lendo aí foi escrito no passado –às vezes algumas horas, às vezes alguns dias. Esta crônica é ainda mais velha que o resto do jornal– tive que mandar a coluna com dois dias de antecedência porque esta "Ilustrada" fechou no sábado (16). Observe-a com atenção. Perceba suas rugas, seus buracos de traça, seu cheiro de naftalina.
Já posso ver, daqui do passado, que caducou.
Nem toda crônica envelhece tão mal –a culpa é desse dia que vocês chamam de ontem e a gente aqui do passado insiste em chamar de amanhã. Esse dia –chamemo-lo de amanhontem– deve durar uns sete meses, posso apostar. O país vai parar para ver se a presidenta cai ou a presidenta fica. Não tem crônica que sobreviva a isto. Quer dizer, tem.
O cronista do passado, se fosse esperto, falaria de outra coisa. Bom, posso garantir que ele tentou. Começou a escrever sobre a tomada de três pinos, e quando viu estava esbravejando que não espanta que as pessoas queiram tanto o impeachment do governo que inventou essa tomada. Não –amanhontem isso já vai estar datado porque o impeachment já vai ter acontecido– ou não. Ia falar da Carreta Furacão –mas impossível não falar que a Carreta é pró-impeachment. Pensou em falar da patafísica –depois lembrou que a patafísica talvez evoque os patos da Fiesp. Desistiu. Essa crônica já nasceu obsoleta.
Do alto da ignorância que caracteriza os seres do passado, não faço ideia se o Congresso vai derrubar Dilma ou se vai mantê-la. A ignorância, nesse caso, pode ser uma bênção. Por isso ouçam essa alma do passado, amigos do futuro. Não importa o que aconteceu/acontecerá amanhontem. Independente do resultado da votação, perdemos, porque quem votou foram os réus. Perdemos porque entregamos o futuro do país nas mãos do pior congresso da história. Perdemos porque acreditamos numa desratização comandada pelos ratos.
Independente do resultado de amanhontem, sonho com uma segunda-feira em que os dois lados percebam que o inimigo não está do outro lado do muro que foi erguido na esplanada. O inimigo está lá dentro do Congresso, tentando tomar o poder. E tudo indica que vai conseguir.
O Brasil não está dividido. O Brasil está unido pelo repúdio a Eduardo Cunha e Michel Temer. Independente do resultado, precisamos ir para rua. Pela primeira vez, juntos. 

Gregório Duvivier
Folha

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