Após a divulgação nesta semana das primeiras pesquisas eleitorais depois da homologação das candidaturas presidenciais, o dólar
superou a marca dos R$ 4 pela primeira vez desde fevereiro de 2016.
Nesta quarta-feira (22/08), após a publicação da sondagem do Datafolha, a
moeda americana manteve a alta, chegando a passar de R$ 4,10. Para Roberto Castello Branco,
economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-diretor do Banco
Central, entre os motivos estão a incerteza econômica que, no caso
brasileiro, é agravada por um cenário político confuso. "Temos uma
tentativa de renovação que provavelmente não vai acontecer”, frisa. "Os
investidores procuram um porto seguro. E esse porto seguro é o dólar.” DW
Brasil: Com a divulgação das primeiras pesquisas eleitorais após a
homologação das candidaturas, o dólar superou a marca de R$ 4 pela
primeira vez desde fevereiro de 2016. Como o senhor avalia esse
movimento do mercado? Roberto Castello Branco: Isso
faz parte de um movimento de longo prazo. Há alguns meses, o dólar
estava custando R$ 3,20 e, agora, ultrapassou a barreira dos R$ 4. E há
três componentes para isso. O primeiro é o fato de haver mudanças nas
políticas monetárias no mundo, tendo o Federal Reserve [o banco central
dos EUA] liderado esse processo de alta nas taxas de juros
internacionais. A economia global não contará mais com o grau de
liquidez que prevaleceu nos últimos oito anos. O segundo
componente é a situação econômica brasileira. Apesar de o Brasil ter um
volume significativo de reservas cambiais, um regime de taxas de câmbio
razoavelmente flutuante e inflação baixa, temos um ponto de
vulnerabilidade: a dívida pública. A relação entre a dívida pública e
Produto Interno Bruto (PIB) é a mais elevada de todas as economias
emergentes e está numa trajetória crescente. Isso porque o Brasil não
fez reformas e cortes significativos nos gastos públicos. O terceiro componente seria eleição presidencial... Sim.
Em todo o mundo, eleições geram incerteza, porque não se sabe
exatamente quem será o próximo governante de uma nação e, uma vez
eleito, o que ele vai exatamente fazer. E, dependendo do sistema de
governo, esse líder tem poder para mudar muitas coisas. Mas, no caso
brasileiro, essas incertezas são agravadas pelo cenário político que é
muito confuso. Temos uma tentativa de renovação que provavelmente não
vai acontecer: há integrantes da velha política indo razoavelmente bem
nas pesquisas de opinião e um líder nas intenções de voto que nem
deveria figurar entre os candidatos, pois foi sentenciado pela Justiça e
está preso. E isso gera uma grande incerteza, pois há candidatos
que têm ideias que vão contra as que o mercado acredita, que é o Brasil
passar por uma fase de reformas estruturais que provoquem o
reequilíbrio fiscal e criem condições para o aumento da produtividade e,
consequentemente, o crescimento econômico. O Brasil não tem só um
problema de desequilíbrio fiscal e dívida pública elevada, mas de
crescimento econômico. Nosso PIB per capita cresceu a 0,7% ao ano entre
1980 e 2017, o que é muito pouco para uma economia de renda média. É
necessário fazer reformas que estimulem os investimentos e criem
condições para aumentar a produtividade para que, então, o crescimento
econômico possa se acelerar. Por que os investidores correm para o dólar diante da incerteza eleitoral? Os
investidores procuram um porto seguro. E esse porto seguro é o dólar. A
moeda americana é a mais utilizada no mundo em transações comerciais e
financeiras e compõe a maior parte das reservas internacionais dos
países. O fato de os EUA terem uma dívida muito grande, se isso por um
lado é um problema, porque sinaliza um desequilíbrio nas finanças
públicas, é por outro uma vantagem porque proporciona instrumentos com
muita liquidez. Empresas, investidores e países podem aplicar
rapidamente seus recursos em títulos do governo dos EUA sem que para
isso tenham que pagar prêmios pela dificuldade de comprá-los e, da mesma
forma, podem vendê-los rapidamente sem ter que aceitar um desconto
simplesmente pela dificuldade em executar transações. Há também a
confiança dos investidores derivada do fato de os EUA terem
historicamente estabilidade política e nas regras do jogo. Então, com
isso, os investidores tendem a correr para o dólar e para os títulos de
dívida pública dos EUA. Exemplo disso foi o período posterior à crise
financeira internacional de 2008 detonada pela liquidação do banco
Lehman Brothers. Mesmo sendo os EUA o epicentro da crise na época, o
dólar se valorizou em relação às outras moedas. Parece paradoxal, mas
não é. Quanto mais próxima a eleição, maior será a volatilidade do câmbio? É
muito difícil prever a volatilidade. Notícias com surpresas costumam
provocar mais volatilidade, porque os investidores tendem a mudar suas
posições e rever suas previsões sobre o futuro. Enquanto as notícias
ruins continuarem a surgir, a volatilidade permanecerá alta. Na medida
em que isso cessar, o mercado vai se ajustar, os preços buscarão um novo
patamar e a volatilidade voltará ao padrão anterior. Mas isso pode
acontecer em um minuto, meia hora, em um dia, em semanas... Normalmente,
em caso de eleições presidenciais no Brasil, esse período tende a ser
mais longo e tende a durar de dois a três meses cobrindo o período
anterior e posterior às eleições. As eleições de 2014 foram uma exceção,
porque a volatilidade não diminuiu após a eleição de Dilma Rousseff.
Ela continuou alta e só foi baixar depois do impeachment em agosto de
2016. Como funciona esse jogo do mercado e por que ele quer um ambiente favorável para seus investimentos? O
mercado preza a estabilidade e um ambiente com risco baixo. Assim,
existe previsibilidade para realizar investimentos e, com eles, há
expectativa de que a economia cresça, as empresas gerem lucros e os
investidores se beneficiem disso. O mercado deseja correr riscos apenas
inerentes e intrínsecos à operação das empresas de economia como um
todo. Os investidores e o mercado em geral são avessos aos riscos e
detestam surpresas que provoquem choques, como tivemos recentemente na
greve dos caminhoneiros. Isso foi um choque externo à economia, não faz
parte do funcionamento normal dos mercados. E uma eleição com candidatos
hostis à iniciativa privada que possam adquirir poder é equivalente a
um choque negativo sobre a economia. Isso faz com que os investidores
façam esse movimento de desvalorizar o preço dos ativos brasileiros, e
uma forma de fazer isso é vendendo a moeda local. O
candidato Geraldo Alckmin é tratado como o favorito do mercado, mas está
mal colocado nas pesquisas. Se ele aumentar as intenções de voto, o
dólar poderá se estabilizar? Pode ser. Mas é difícil que
isso venha a acontecer. Ele está mal colocado nas pesquisas e pertence à
chamada velha política. Muitos brasileiros querem uma renovação na
política, querem um processo semelhante ao que está acontecendo na
França com Emmanuel Macron: uma pessoa que não era um político
tradicional, com um partido novo e com pessoas não ligadas à política. A
expectativa de muitos brasileiros era essa, que surgissem novas
lideranças. Mas, dado o cenário institucional, isso ficou muito difícil
de acontecer. A moeda americana poderá passar de R$ 5? Ninguém
sabe. O comportamento da taxa de câmbio é uma das variáveis mais
difíceis de se prever. A taxa de câmbio faz o que os economistas chamam
de caminhada aleatória. O fato de a taxa ser hoje de R$ 4,10 não me traz
nenhuma informação sobre o futuro. Depende de alguns fundamentos e de
outros fatores que são impossíveis de se prever, que são as surpresas.
Por definição, surpresas não são previsíveis. Depende de quem for o novo
presidente e quais são as verdadeiras intenções de política econômica
deste líder. Há muitas dúvidas no caminho. A cotação do dólar está numa
jornada no escuro porque ela reflete incertezas. O Banco Central vendeu swaps cambiais. Ele continuará agindo para conter a escalada da moeda americana? Num
regime de câmbio flutuante, o Banco Central intervém para tentar evitar
oscilações muito acentuadas da moeda, para diminuir um pouco a
volatilidade. Fora isso, é totalmente ineficaz um Banco Central querer
se contrapor a uma tendência. Sobre um limite? Só o dia a dia do Banco
Central que vai dizer.
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