PT se aproxima de ‘dia D’ dividido sobre viabilidade de Haddad para conseguir votos



A campanha eleitoral no rádio e na televisão do Partidos dos Trabalhadores se encontra numa espécie de limbo. Os primeiros programas foram ao ar no último sábado, apenas horas depois de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) declarar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva inválida. Lula não pode figurar como candidato, embora ainda seja o grande protagonista das peças publicitárias, um personagem onipresente ao qual todos se referem. Já Fernando Haddad é apresentado apenas como “vice-presidente”, sem mais detalhes, o que cria um quadro um tanto quanto confuso para quem ainda precisa se tornar conhecido pelo eleitorado.

Há, no entanto, pequenas mudanças de linguagem que começam a pavimentar o caminho da transição que o PT, e principalmente Lula, vêm arquitetando há meses: fundir a imagem de Haddad, um professor universitário paulistano que nunca transitou na ala sindical do petismo, com a de Lula, liderança incontestável do partido, nascido no sertão pernambucano e hoje dono do maior capital político do país. O jingle não poderia ser mais explícito: “Lula é Haddad, é o povo. É o Brasil feliz de novo!”
Tudo indica que Haddad, ministro da Educação por seis anos e meio nos governos Lula e Dilma Rousseff e prefeito de São Paulo entre 2013 e 2016, será finalmente ungido candidato do PT à Presidência da República na próxima semana. Na terça-feira (11 de setembro), vence o prazo que a Justiça Eleitoral estabeleceu para que o partido indique o substituto do ex-presidente na disputa pelo Palácio do Planalto.
O PT apresentou recursos ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) pleiteando que a candidatura de Lula —condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, preso em Curitiba e considerado inelegível com base na Lei da Ficha Limpa— seja autorizada. Ainda que tenham poucas possibilidades de resultados práticos, os recursos são considerados importantes para reforçar o discurso de que Lula seria um injustiçado que está disposto a ir às últimas consequências para garantir seu direito de concorrer às eleições. "Não podemos passar em nenhum momento para o eleitor a imagem de que nós jogamos a toalha em relação ao Lula", afirma um dirigente petista. Mas existe entre as lideranças partidárias a avaliação de que o tensionamento com a Justiça já chegou ao limite. Insistir numa briga judicial para além do dia 11 de setembro, dizem, abriria a brecha para que toda a chapa presidencial do partido fosse contestada, o que poderia deixar o PT sem candidato no pleito de outubro. Não é uma hipótese aceitável para uma sigla que governou o país por mais de 13 anos.
O processo de metamorfose para tentar transformar Haddad em Lula não estará livre de obstáculos, alguns deles colocados inclusive por amigos. Por exemplo: o timing escolhido para a substituição já gerou atritos dentro do PT e do PCdoB, principal legenda aliada. Os comunistas acham que há pouco tempo para que o eleitor assimile que o ex-prefeito de São Paulo é o candidato de Lula e que a tática de adiar ao máximo a troca fez a coligação desperdiçar oportunidades importantes de apresentá-lo ao público. “Essa transferência de votos não é automática. Nós já perdemos a entrevista no Jornal Nacional, perdemos os debates”, queixa-se um dirigente do PCdoB.
“Nós não estamos ansiosos com isso. Vamos usar tudo o que temos à disposição, inclusive o tempo que temos para defender a candidatura do presidente Lula. Não tem ansiedade nesse processo, temos clareza dele, da sua importância e da responsabilidade que o PT tem nisso”, rebate a presidenta do PT, senadora Gleisi Hoffmann.
Mas o timing não é a única resistência interna que o substituto de Lula terá de superar. O seu próprio perfil, considerado intelectual e paulista demais, é pouco palatável para o campo sindical do petismo e para a ala mais à esquerda da sigla. “Tem uma parte [do PT] que não gosta [do Haddad] porque ele não dá atenção ao partido e outra que não gosta por achar que ele é de direita”, resume, entre risos, um parlamentar da legenda. São grupos que se curvaram à escolha de Lula pelo ex-prefeito, mas não escondem que preferiam ver o ex-governador da Bahia Jaques Wagner no papel hoje reservado à Haddad.

‘Um olho na urna, outro na história’

Prevaleceu a tese de que era preciso equilibrar a viabilidade eleitoral de Haddad com a defesa do ex-presidente. “É o momento de o PT estar com um olho na urna e o outro na história”, resume o ex-ministro Ricardo Berzoini, que tem atuado na coordenação da campanha presidencial do petista.
Construída a narrativa de que Lula seria vítima de uma injustiça perpetrada por aqueles que não querem vê-lo de volta no Planalto, passa-se ao mais difícil: Segundo as últimas pesquisas de opinião, Lula oscila entre 37% e 39% das intenções de voto, o que o coloca como líder disparado na corrida (estavam previstas novas sondagens do Ibope e do Datafolha para esta semana, mas os institutos cancelaram a divulgação em razão da decisão do TSE de barrar Lula). Para chegar ao segundo turno, Haddad precisa herdar parte expressiva desses votos.
Para isso, o ex-prefeito de São Paulo passou a maior parte da campanha até aqui num périplo pelo Nordeste, o principal reduto de votos do PT e região fundamental para viabilizá-lo como herdeiro do espólio eleitoral de Lula. Agora, o passo seguinte é realizar um ato que deixe claro que Haddad foi incumbido pelo próprio ex-presidente de ser o seu substituto. Uma das possibilidades é que o anúncio ocorra em frente à Superintendência da Polícia Federal em Curitiba na próxima semana, num ato cênico montado para ser usado e reusado no horário eleitoral de televisão. Outra especulação é que Haddad seja batizado como candidato do partido num evento pró-Lula marcado para a noite de segunda-feira no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (TUCA).
Seja qual for o caminho, Haddad parece pronto para subir no palco e começar a interpretar o papel que Lula reservou para ele. A grande incógnita da eleição mais caótica que o Brasil já viveu desde a redemocratização, entretanto, permanece a mesma: o ex-prefeito de São Paulo conseguirá se transmutar em Lula e abocanhar os votos do líder petista para estar no segundo turno? Ou a estratégia do PT vai acabar se provando um tiro n’água, sem que os apoiadores do ex-presidente consigam assimilar bem a mensagem de que “Lula é Haddad”?

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Ricardo Della Coletta
Brasília
El País

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